domingo, 25 de abril de 2010

O dito por não dito...

Dia aziago

Faz apenas alguns dias que a ACED tomou posição, através de um artigo de um dos seus dirigentes, de apoio à legislação de execução de penas prestes a entrar em vigor. Quem segue a nossa actividade saberá ser esse momento inédito.


Mas, ao contrário do que desejaríamos, não foi uma viragem na nossa actuação. Como também a viragem na actuação do governo: foi só um engano. Prontamente rectificado. São estas as notícias deste dia aziago de 24 de Abril: “Execução de Penas revista dez dias depois de entrar em vigor” (CM) “Garantia do secretário de Estado da Justiça” que avisa que não quer ver “medidas securitárias” a serem adoptadas. Para meio entendedor boa palavra basta.

Sim, o provérbio está trocado. Como estiveram trocadas as posições relativas da ACED e das instituições tutelares da execução de penas. Gostaríamos de poder continuar assim, a trocar a oposição sistemática às “medidas securitárias” que o secretário de estado prevê virem a ser introduzidas pelo apoio a boas vontades racionais das instituições, em defesa do respeito pela Lei. Tememos ser este episódio apenas a continuação de mais do mesmo: a fraqueza do governo face aos instintos revanchistas dos poderosos e a força com que ataca os fracos.

A Direcção da ACED

Foto: DR

quarta-feira, 21 de abril de 2010

A velha cartilha

Novo velho falso motim,
desta vez em Coimbra?

Na última Sexta-feira Santa foi notícia um motim na prisão de Coimbra. Como é hábito, as informações das autoridades escassearam e foram contraditórias. Motim que se acalme espontaneamente é coisa rara, senão inédita. Motim sem consequências disciplinares – como a determinada altura se deu a entender – seria milagre. Quem desconfiou que, afinal, não teria havido nenhum motim? Quem poderia imaginar que se tratou de uma invenção dos serviços prisionais? E para quê, pergunta-se?


Em carta de autor devidamente identificado, cuja cópia se anexa, recebemos, com pedido de divulgação, a versão de um recluso sobre o que efectivamente terá acontecido. Em resumo: para encobrir práticas de tortura e maus tratos sistemáticos – face ao que um recluso terá “cedido” emocionalmente quando “brincaram” com ele a respeito da sua precária de Páscoa – as autoridades terão encenado um motim. Interpretando: não fosse dar-se o caso de um “acidente” que implicasse uma investigação e eventuais culpados – em particular o Chefe que terá sido o autor da “troca” de informação sobre a precária (que trouxe de longe a Coimbra a família do recluso José Magalhães, para o levar) – porque não inventar um motim, no meio do qual tudo se pode justificar? Felizmente acabou por não ser precisa a encenação. Mas dos castigos não se livraram a meia dúzia de bodes expiatórios encontrados a jeito.

A ACED pode testemunhar as queixas de a tortura (física, psicológica e maus tratos) ser usada em doses mais ou menos descontroladas contra os presos (ver
http://iscte.pt/~apad/ACED/ficheiros/observatorio.html).

Por exemplo, ainda recentemente o Estado português foi condenado pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem pelo facto de castigar dois presos estrangeiros em celas ditas de segurança sem que nenhuma autoridade governamental ou judicial neste país tenha dado a possibilidade de reclamação ou sequer de apreciação da situação, a requerimento das vítimas, cf. http://iscte.pt/~apad/ACED/ODH/seccoes%20seguranca.doc.

Este caso é apenas a ponta de um iceberg monstruoso. De que há notícias esparsas, por exemplo, a respeito do “tratamento” praticado na prisão de “alta segurança” em Monsanto, que alguém apelidou de Guantanamo português, entretanto “melhorado” paulatinamente, mas longe do escrutínio público. Espancamentos, suicídios e mortes são também eles pontas do iceberg de brutalidade e amesquinhamento dos presos – e dos guardas e outros funcionários. Quem admite e quem manda que tais práticas se executem?

A experiência de redacção de queixas que a ACED tem vindo a acumular mostra como há fortes resistências à investigação e clarificação deste tipo de situações. Para além de tais resistências serem prática recorrente em geral – não é sem consequências que a justiça funciona mal em Portugal – quando se chega às prisões podem observar-se barreiras de evidente indiferença institucional – de facto situação de impunidade estrutural – explicadas oficialmente como “segredo prisional” (leia-se, medo das consequências de testemunhar denúncias contra os poderes fácticos, tanto por parte de presos como de guardas e funcionários prisionais) e como obra da sub-cultura dos prisioneiros (actualmente, a subserviência aos lucros do imparável tráfico de drogas nas prisões). Por isso a ACED, ela própria, sofre directamente ataques das instituições, umas vezes sob a forma de alegada “falta de credibilidade”, outras vezes sob a forma de processos judiciais, na tentativa vã de calar o pequeno incómodo que a divulgação de informação que fazemos provoca.

O seguimento das nossas denúncias revela como há queixas que lemos na carta anexa – a “autoridade” pela brutalidade da responsabilidade da chefia, contra a qual há guardas descontentes mas calados, nomeadamente – que se assemelham a outras que temos recebido de outras prisões, nos últimos meses. Haverá alguma política de colocação de chefias com perfil de dureza à prova de Direitos Humanos em prisões especiais? Haverá em curso alguma experiência para descobrir qual o melhor perfil de chefia?

Precisamente uma das primeiras experiências da ACED (de facto, um das causas directas da sua própria existência) foi a construção, por parte das autoridades prisionais ao mais alto nível, que envolveu a presença no local do Ministro da Justiça de então, de um motim na prisão de Caxias, em 1996. As dezenas de acusados foram julgados 13 anos depois e, por isso, já temos a sentença, cf.
http://www.presosemluta.tk/. Da qual só se pode concluir que o motim foi uma inventona. Portanto, uma táctica das autoridades prisionais para abafar problemas da sua própria responsabilidade e “acalmar” os presos à pancada, sem que houvesse o risco de acusações de abusos e torturas. Funcionou.

A ACED divulga a carta que para o efeito nos foi passada sobre o alegado motim de Coimbra, na Páscoa de 2010, porque é esse o primeiro e mais importante dos nossos objectivos, enquanto associação: favorecer a liberdade de expressão dos presos, que é um direito declarado mas inibido pelas práticas instituídas. A ACED reclama às autoridades competentes por processos de investigação que sejam capazes de romper com a impunidade e a arbitrariedade tradicionais, agora que o legislador entendeu actualizar a lei de execução de penas. Pois, precisamente, melhorar as condições de denúncia de situações de vitimação contra os presos e contra os funcionários e guardas é um dos objectivos intentados pela nova legislação. A sua prossecução exige novas práticas institucionais, sob pena de a lei continuar a ser incumprida – como aconteceu com a lei de 1979 em alguns dos seus aspectos fundamentais.

A ACED tem consciência de que também os titulares de poderes institucionais estão condicionados pelas piores tradições, benevolentes com as práticas de tortura. É preciso coragem para sair do ciclo vicioso. Foi essa coragem que o autor identificado desta carta manifestou, embora a ACED mantenha a sua identidade fora do âmbito público por saber haver altos riscos de represálias. Essa coragem deve ser secundada por aqueles/as que dentro das instituições possam estar em condições de ajudar a cumprir os objectivos desta nova lei.

A Direcção da ACED

Ver carta de preso em:
http://iscte.pt/~apad/ACED/oficios10/33apd%20falso%20motim.pdf

Foto:DR

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Prisões sem guardas



A Associação de Protecção e Assistência ao Condenado (APAC), é a associação brasileira que implementou com um sucesso extraordinário um novo modelo de cadeia: prisão sem guardas - entretanto já difundido noutros países.

É possível continuar a manter as prisões a violarem os direitos dos presos?

Há quem diga que deve ser assim porque é para isso que elas servem. Não é a nossa opinião.

Queremos acabar com as prisões paraíso dos criminosos - em particular, queremos acabar com os estabelecimentos onde se acolhem os condenados por comércio ou uso de estupefacientes e onde estes produtos circulam mais intensamente que em meio livre, só que com pior qualidade e com mais lucros para os traficantes.


Ver mais em:
http://www.forumseguranca.org.br/praticas/apac-associacao-de-protecao-e-assistencia-ao-condenado

sexta-feira, 16 de abril de 2010

António Ferreira

O paradoxo do preso «perigoso»

por Gobern Lopes*

Hoje não vamos falar do «Mata-Sete», assassino de 7 pessoas e que, ao fim de 14 anos de prisão, estava cá fora, não tendo saído antes porque não quis… Nem do jovem assassino psicopata da «Chacina de Ourém», que matou sem dó nem piedade uma família inteira, incluindo duas crianças de 3 e 6 anos, e que, para além das saídas precárias de que beneficiou, saiu em liberdade ao fim de 12 anitos de cadeia…

Também não vamos falar sobre a actual insatisfação do célebre «Tojó», o jovem que em 1999 assassinou o pai (conhecido médico de Ílhavo) e a mãe com 33 facadas, num ritual pretensamente satânico, e a quem o Tribunal de Execução de Penas tem negado os pedidos de saídas precárias, ainda não cumpridos sequer 10 anos de prisão (um conselho: mantém-te bem comportado na prisão, continua a tocar na banda e a mostrar serviço na biblioteca que, mais um ou dois anitos, vais ter a tua oportunidade…).

E, também, não vamos falar dos inúmeros casos de indivíduos que mataram a esposa, ou a filha de tenra idade, ou até a mãe ou o pai, e dos outros que assaltaram e mataram o desgraçado do gasolineiro, a empregada de balcão, o transeunte que ia a passar… e que passados poucos anos de prisão já estão a gozar de saídas precárias, do regime aberto e da liberdade condicional… Não vamos falar destes casos porque as páginas deste jornal não chegariam para publicar a lista…

Alguma coisa de anormal se passa

Vamos falar do António Ferreira, 69 anos de idade, preso desde 1994, ou seja, enclausurado há 15 anos, sem nunca ter beneficiado de uma saída precária, sem se vislumbrar se alguma vez alcançará a liberdade…

Nesta altura, estará o leitor a questionar: «o que fez este homem? Quantas vítimas assassinou? Quantas mulheres violou? Quantas pessoas torturou ou mutilou? De quantas crianças abusou?» Afinal o que fez este homem para estar preso há tantos anos sem uma oportunidade de «reintegração»?

António Ferreira está preso há 15 anos seguidos, cumprindo uma pena de 20 anos de prisão e não matou, mutilou ou violou ninguém! Ele foi condenado por, alegadamente, ter participado no rapto de um designado empresário e de o terem mantido em cativeiro durante 21 dias. O raptado viria a ser libertado numa operação conjunta das forças de segurança numa quinta na Serra da Lousã. A vítima era um velho conhecido da polícia, de nome «Carlos da Marília», residente no Bairro das Galinheiras (referenciado no meio criminal como «bufo») e condenado anteriormente por homicídio premeditado de um jovem, em 1982, a uma pena de 16 anos, da qual só cumpriria meia dúzia… Também era referenciado como um dos maiores traficantes de droga na zona de Cascais.

António Ferreira, na altura desta detenção, tinha 54 anos e estava há cerca de 2 em liberdade condicional após cumprir 18 anos seguidos de uma pena de 24 anos de prisão. Esta condenação, decretada em 1975, era referente a vários delitos menores ocorridos entre Maio de 1972 e Fevereiro de 1974 e à morte de um guarda fiscal numa empresa, que lhe foi imputada quando foi detido 2 meses antes de 25 de Abril de 1974.

Conheci o António Ferreira em 1980, na Colónia Penal de Pinheiro da Cruz, quando se encontrava a cumprir esta condenação. Era um companheiro excepcional, amigo do seu amigo, autodidacta na prisão, de uma cultura acima da média, cordato com todos, um preso de conduta irrepreensível (nunca agrediu ou ofendeu um companheiro ou funcionário) mas não subserviente, antes com um forte sentido do exercício da cidadania que as grades da prisão não o impediam de exercer.

Estava na primeira linha de denúncia das injustiças, da corrupção e da prepotência que existia e existe no sistema prisional. Na altura, nutria simpatia pelo ideal comunista, que já lhe vinha detrás, do sentir da exploração na sua infância e juventude (mais tarde viria a abraçar os ideais anarquistas). Oriundo de uma família pobre da zona de Oliveira do Bairro, fruto do seu inconformismo e revolta permanente, viria a ser detido e enclausurado pela primeira vez, com apenas 17 anos, na Prisão Escola de Leiria, em 1958, por pequenos furtos, ali permanecendo até 1972!

Ao todo, numa vida de 69 anos, são 47 de clausura! Para quem, no seu cadastro, apenas tem uma morte imputada (pela qual cumpriu a quase totalidade da pena!), alguma coisa de anormal se passa com a (in)justiça que estão a fazer-lhe… Ou estaremos perante o paradoxo do preso «perigoso», apanágio das práticas carcerárias que sobrevaloriza o factor de perigo para o sistema, em detrimento do eventual perigo para a comunidade?

Quem tem «medo» do António Ferreira?


*Publicado no Semanário Privado em 19 Agosto 2009
Foto: DR

Mais informação sobre António Ferreira em
http://libertemferreira.no.sapo.pt/

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Código de Execução de Penas

Oportunismo populista e (falta de) ética

O novo Código de Execução de Penas está aprovado faz vários meses. Apenas agora, Abril de 2010, entra em vigor. Seria natural que apanhasse de surpresa as pessoas menos informadas. Mas os sindicatos do ministério público, dos polícias e o CDS/PP também foram apanhados de surpresa? Ou querem apenas fazer chicana política?
Portugal, infelizmente, não tem uma tradição forte na defesa dos direitos dos arguidos. Há quem pense e diga não haver em Portugal respeito pelo Estado de Direito. Há mesmo quem tenha declarado serem os tribunais onde mais se ofendem os direitos humanos dos cidadãos. Todos temos de concordar, por outro lado, ser a justiça – incluindo o desrespeito normalizado pelos direitos de quem esteja implicado em casos judiciais – um dos maiores e mais importantes obstáculos ao desenvolvimento do país.

Fazer chicana política com a justiça – neste caso com o código de execução de penas – é crime contra a necessidade de se dar a volta a este óbice ao nosso bem-estar, ao prestígio do nosso país e da nossa cultura. É intolerável vir para a comunicação gritar que 6 anos de prisão por um crime de sangue (um quarto da pena máxima) é pouco. Que é um desrespeito pelas vítimas.

É pouco para quê? É pouco para quem?

O sistema de penas de prisão proporcionais aos crimes cometidos, sob apreciação de um juiz independente, não resolve o problema da emergência de criminalidade nas sociedades. (De facto acontece aumentar o crime e diminuir o número de presos, como acontece actualmente em Portugal, como acontece diminuir o crime e aumentar o número de prisioneiros, como aconteceu durante os anos 90 em Portugal.) Mas foi o estado a que foi possível chegar, através de experiências milenares, para fazer justiça através do direito, segundo um modelo ocidental adoptado universalmente por todas as civilizações.

A justiça do Estado não substitui o sofrimento das sociedades no dirimir dos crimes a que estas estão sujeitas. A maioria dos crimes cometidos – sejam eles os das cifras negras da criminalidade, como a criminalidade não denunciada ou a criminalidade não condenada após tratamento institucional, sejam eles os crimes de colarinho branco, sobretudo os perpetrados pelos amigos e parceiros de negócios das classes dominantes – são sofridos, aguentados e curados pelas sociedades, à margem do Estado, quantas vezes sob pressão do Estado para evitar queixas e eventuais escândalos. Sofrem, como todos sabem bem, sobretudo mulheres e crianças. Na guerra ou nos abusos sexuais.

O novo código de execução de penas é uma reacção do Estado a uma situação calamitosa vivida em Portugal nos anos 90, quando o número de óbitos e doentes entre os presos atingiu picos várias vezes superiores à média da União Europeia e mesmo bastante acima dos verificados na Rússia e outros países de Leste, conhecidos pela máxima dureza das suas práticas penitenciárias. Essa reacção tem um aspecto francamente positivo: obrigar ao uso das penas de prisão em regime aberto que durante décadas foram tal uso foi inibido por decisões negligentes das entidades responsáveis e que, na prática, resultaram na calamidade face à qual Freitas do Amaral disse um dia serem necessários 12 anos – ainda a decorrer – de esforços consistentes para que as prisões portuguesas, um dia, possam ser comparáveis com os standard europeus médios.

Há quem pretenda mobilizar o espírito de vingança dos portugueses para evitar expor ao que vêem quando reclamam por penas mais pesadas. Mas não é preciso grande perspicácia para entender o seu acanhamento.

O CDS/PP acha muito bem os prémios milionários aos gestores em tempos de crise, defende a contenção nas acusações públicas contra pessoas indiciadas judicialmente (sobretudo quando lhes são próximas) e joga nos bastidores as conspirações defensivas, conciliatórias ou de contra-ataque (a alta política dos dias de hoje), e entende tudo isto ser compatível com a redução dos rendimentos dos mais pobres, sabendo que mesmo quem trabalha aufere salários insuficientes para a sobrevivência, alinhando até com todas as políticas tendentes para reduzir ainda mais tais salários, em nome da saúde das empresas. O CDS/PP sabe, como todos nós sabemos, que as prisões são para os pobres e lá as doenças e a morte ceifam vidas em modo acelerado. Há pois alguma coerência nas posições de direita: engavetar a exclusão social; dividir entre os pobres bons e os pobres maus é uma velha receita.

O Ministério Público entrou em guerra contra a droga, nos idos de 80. Conseguiu transformar as prisões em centros de acolhimento forçado de toxicodependentes e, ao mesmo tempo, de supermercado oficioso de tráfico de drogas inflacionadas, de baixa qualidade, de alto risco para os consumidores e de alta rentabilidade para os traficantes. A linha de comando entre o ministério da Justiça e cada estabelecimento prisional, e mesmo dentro dos estabelecimentos prisionais, não existe, dada a concorrência entre si dos poderes fácticos locais e dos interesses que trocam entre si. A ponto de um destes dias centenas de homens da GNR, enviados para acalmar um juiz irritado, ao que parece, invadiram uma grande prisão no Norte para inspeccionar igualmente presos e funcionários com vista a surpreender os tráficos aí existentes. Vem agora o sindicato dizer à praça pública que quer manter activos os negócios prisionais? A sua tarefa deveria ser a de acabar com eles!

Compreende-se que o governo esteja concentrado no essencial para si, exaurido de capacidade de combate por causas “secundárias”, como essa de defender a justiça e o direito. Pela nossa parte estamos dispostos e disponíveis para defender a aplicação alargada de regimes abertos de prisão, com argumentos, com base na experiência portuguesa e nas responsabilidades de cada um na construção de um Portugal sem histerias e focado em melhorar a vida de todos. É assim que entendemos a Justiça.

António Pedro Dores
[em nome da ACED]
Lisboa, 2010-04-09

Foto: DR

Taxa de suicídios é 15 vezes mais alta na prisão

Jovem de nacionalidade francesa foi encontrado morto
na cela no Estabelecimento Prisional de Lisboa.
Casos duplicaram em 2009

por Inês Cardoso*

Detido há sete meses no Estabelecimento Prisional de Lisboa (EPL), L. tinha recebido uma única visita, de um irmão. De nacionalidade francesa, o jovem de cerca de 30 anos estava afastado da família e fechado num círculo de solidão. Sábado foi encontrado morto na cela. É mais um caso nas estatísticas dos suicídios nas cadeias portuguesas, que apresentam uma taxa de frequência 15 vezes superior à da população em geral.

O número de casos duplicou no ano passado. Até Novembro tinha havido 16 suicídios, quando em todo o ano de 2008 houve apenas sete. Os dados finais não constam do Relatório Nacional de Segurança Interna - apesar de haver um capítulo dedicado aos serviços prisionais. O Ministério da Justiça e a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais também não forneceram estatísticas actualizadas, apesar de durante três dias terem prometido responder às questões do i.

À semelhança do que acontece na maioria das situações, L. suicidou-se por enforcamento. "Não houve qualquer falha de segurança. Quando um detido quer suicidar-se, qualquer objecto serve, como um lençol", sublinha fonte do Estabelecimento Prisional de Lisboa. As regras de segurança obrigam a recolher cintos e outras peças perigosas, mas as revistas a reclusos e familiares não impedem que objectos proibidos entrem constantemente nos estabelecimentos. Basta olhar para as apreensões feitas em 2009: 5,8 quilos de haxixe, 73 armas brancas artesanais, 40 seringas e 70 agulhas.

A prevenção, num ambiente complexo como é o prisional, é difícil e cara, reconhece António Pedro Dores, da Associação Contra a Exclusão pelo Desenvolvimento (ACED). Os problemas de saúde mental têm "elevada prevalência" nas cadeias e o acompanhamento próximo de casos de risco "exige muitos recursos" e formação do pessoal. Além de que a prioridade número um é a segurança: "A pressão política e social é essa."

Em Novembro do ano passado, perante o aumento de casos de suicídio e a alarmante concentração de sete numa única prisão, a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais anunciou o lançamento de um projecto de prevenção em Custóias (Porto). Cinco meses depois, o Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional queixa-se que pouco foi feito. "Tirando uma reunião, uma espécie de palestra em Custóias, que eu tenha conhecimento não houve evolução nenhuma", afirma o dirigente Jorge Alves.

Dívidas e gangues O tráfico de droga é apontado como uma das principais razões do suicídio nas cadeias. Dívidas e medo de represálias, assim como lutas entre gangues, deixam por vezes reclusos encurralados. A ACED recebe com frequência cartas e denúncias de familiares, mas António Dores lamenta que os pedidos de ajuda cheguem quase sempre "demasiado tarde".

Nem sempre é preciso procurar causas externas às circunstâncias de isolamento, que propiciam depressões e falta de auto-estima. "Os problemas mentais são antigos nas prisões portuguesas, mas nenhuma reforma foi feita", critica o dirigente associativo. Além do avultado investimento necessário, António Dores considera que também em termos sociais o problema não é considerado relevante. "Sendo a prisão uma punição, as pessoas parecem encarar o suicídio como um risco normal."

Uma fonte próxima do recluso francês critica a falta de actividades e o grande isolamento a que estava sujeito, alegando que foi impedido de receber visitas de familiares não directos. Jorge Alves, presidente do sindicato, afirma que o jovem não tinha restrições de visitas. "Estava impedido apenas pela circunstância de estar longe da família."

Um em cada cinco presos não tem nacionalidade portuguesa. A 31 de Dezembro estavam no sistema 2263 estrangeiros, dos quais 39 franceses. Sempre que há um suicídio é instaurado um processo de inquérito, conduzido pelo Serviço de Auditoria e Inspecção. Pode também ser necessária investigação criminal, se houver indícios de homicídio. Em 2006, dois casos inicialmente tidos como suicídios, no Linhó, acabaram por revelar-se crimes por estrangulamento. A Polícia Judiciária identificou o suspeito, que cumpria pena por homicídio.

*Publicado no i em 2 Abril 2010
Foto: i

Agora na Blogosfera

Expressão de um [novo] combate

Inicialmente em edição de papel, o SOS PRISÕES surge em Abril de 1997, altura da fundação da ACED.


As primeiras edições foram integralmente produzidas por pessoas presas, com meios de reprodução artesanais e sem grandes preocupações de imagem.

Mais tarde, com o crescimento da associação, o SOS PRISÕES passou a contar com meios tecnológicos e impressão a duas cores, totalmente produzido no exterior das prisões - e contando com a colaboração de profissionais da comunicação social, preocupados com o desnorte do sistema prisional e a violação reiterada dos direitos humanos.

Sem ser editado desde Junho de 2006, o SOS PRISÕES regressa agora neste formato, certo de que é importante utilizar este meio como forma de informação e esclarecimento sobre a realidade bem pouco conhecida das prisões portuguesas.