sexta-feira, 29 de outubro de 2010

Negligência nos tratamentos de saúde em Coimbra

Bruno Alfredo Carvalho Homem está preso em Coimbra. Tem um dedo imóvel, problemas musculares no estômago e nas costas, tem problemas também com um joelho. Faz um mês que pelo telefone a família procura saber quando a prisão pode começar a tratar dos problemas de saúde do detido. Informam da prisão que há casos urgentes que são prioritários. Na verdade, até hoje, não há notícia de haver algum cuidado de diagnóstico e menos ainda de terapia adequada.

Naturalmente, o preso e a família temem estar a passar tempo que torne irreversível alguma mazela bem como o agravamento dos problemas por falta de tratamento. Tentaram as formas conhecidas de reclamar um cuidado médico, sem sucesso. Insistem através da ACED na esperança que não venha Bruno a ser vítima como ocorreu em outros casos de negligência nas prisões portuguesas.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Reclamação de práticas ilegais de guardas é abafada com castigos corporal e disciplinar

Mário João Rodrigues, também conhecido por “cueca”, preso em Vale de Judeus, foi espancado pela madrugada de hoje e metido em cela disciplinar. Trinta companheiros da Ala C, dos 120 que lá estão presos, entraram em greve de fome.
Faz 3 meses, desde que o subchefe Barata tomou a responsabilidade pela segurança daquela Ala, que se tornaram rotina as rusgas de madrugada. Julgavam os reclusos que tais práticas estavam impedidas e proibidas por lei. Mas até agora não houve reclamações conhecidas.
Esta madrugada Mário João Rodrigues entendeu não dever colaborar com o que entendeu ser uma ilegalidade e um mau trato. Quando a rusga chegou à sua cela, ele opôs-se à acção do costume. As consequências não se fizeram esperar.

Caso o Estado queira efectivamente assegurar o fluxo escorreito de reclamações dos presos, de modo a que tal fluxo possa servir para melhorar o respeito pela legalidade, incluindo aquela estabelecida directamente pelo Estado e a que decorre dos Direitos Humanos, há-de apreciar práticas como as descritas, cujo poder intimidatório é manifesta e obviamente enorme: foi capaz de paralisar durante meses 120 homens acordados arbitrariamente no primeiro sono ao sabor dos desejos da guarda.

Por questionar o terror que os fez manter petrificados e cúmplices dos seus abusadores (como acontece a qualquer vítima) Mário João Rodrigues sofreu directamente a tentativa de reposição do clima generalizado anteriormente e que neste momento 30 companheiros tentam evitar que seja reposto.

Cabe ao Estado escolher como actuar perante os factos:

a) apurar os seus contornos exactos e confirmá-los;

b) optar entre manter a cumplicidade com o clima de terror subliminar (encoberto pelo segredo securitário dos muros de Vale de Judeus) ou assegurar a liberdade de reclamação de todos e cada preso contra injustiças, abusos e tortura.
A ACED preferia que o Estado deixasse de ser cúmplice do clima de terror. E aguarda para saber as reacções que esta notícia possa provocar para tirar as suas conclusões.

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Linhó: incompetência e humilhações

Falta de pagamentos de trabalho

Está a querer tornar-se hábito não pagar aos presos postos em liberdade o dinheiro que corresponde às (míseras, tem que dizer-se) remunerações de trabalho. Conforme temos referido, há um descontentamento pelo facto de a direcção da cadeia pagar os salários no dia 20 do mês seguinte à execução do mesmo. Até houve queixas dizendo que ficou um mês por pagar. Na prática o que ocorre é que as pessoas saem da prisão e a direcção da cadeia diz-lhes para voltarem mais tarde para levantarem os seus créditos.

Aconteceu a Joel Sami Nesolini, que tinha o número 341 e saiu dia 8. Ficou credor de 200 e picos euros. Também Delcio Pinto Cruz Luís, nº 612, saiu ontem a haver 80 euros. Que volte à prisão se quiser receber o que lhe devem não parece ser proposta correcta ou aceitável.

Informação desadequada

Helena Bouzão é o nome (esperemos que correcto) de uma técnica da DGRS e trabalha no Linhó. Para fazer os seus relatórios entrevista os presos e os seus familiares. Estes perguntam-lhe sobre as esperanças que podem ter para obter os efeitos para que os relatórios contribuem em termos avaliativos. A senhora (não se sabe se por hábito ou só algumas vezes) responde sim, há possibilidades de os seus desejos se realizarem. Porém, quando os familiares e os presos têm acesso à decisão final verificam que o voto da técnica não corresponde à informação que a própria tinha facultado: o sim presencial torna-se num voto negativo.

As pessoas atingidas queixaram-se de tal comportamento e pedem para não serem enxovalhadas desta forma.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Pedido de socorro

Miguel Ângelo Pereira de Almeida tinha o número 425 como preso em Pinheiro da Cruz. Cadeia onde no passado dia 12 ocorreram violências ainda por esclarecer. No caso dele foi espancado no local e levado para a cadeia de Monsanto onde voltou a ser espancado, antes de ser entregue no Hospital Prisional de Caxias. Consequências: entrou em coma, uma vista afectada e um tímpano rebentado, tanto quanto disse o próprio à família.

Agora informaram-no de que vai ser transferido do Hospital. A família pediu à ACED para lançar um pedido de socorro no sentido de ser possível evitar o que o preso teme, naturalmente: que o levem para outro sítio de espancamentos. É isso que fazemos, envergonhados.

sábado, 16 de outubro de 2010

Tortura organizada em forma de falso motim em Pinheiro da Cruz

“Nunca se viu nada assim mesmo antes do 25 de Abril de 1974” – afirmou um preso que se recorda de cenas de violência na cadeia em 1958. Preso que está disposto (e interessado) em testemunhar junto das autoridades sobre o que sabe existir de corrupção na cadeia de Pinheiro da Cruz. Todos os presos foram obrigados a ajoelhar perante os agentes do Grupo de Intervenção dos SP, sob pena de pancadaria, sob a orientação da chefia do grupo, homem de nome Messias, que assistia.

A corrupção em Pinheiro da Cruz tem muita tradição. Quem não se recorda do suicídio do contabilista da prisão em frente à porta de casa do Director, alguns anos atrás? Na prisão lembram-se disso, como mostra por um lado da profundidade da corrupção naquela prisão e também na sua impunidade. Na guerra aberta com a chegada da actual directora, como referido no último ofício sobre este assunto, grande parte das actividades dos presos foram encerradas ou desactivadas (talvez por em torno de cada uma se suspeitar haver alguma coisa, quem sabe?) o que leva os presos a terem sentimentos ambíguos perante a actividade da actual direcção: por um lado entendem bem a luta contra a corrupção; mas, por outro, questionam-se porque são eles quem têm de sofrer os embates e as consequências de tais lutas.

O certo é que a directora, actualmente, recebe a protecção de elementos do GISP contra (de que outra maneira pode ser isto dito) os guardas locais. Parece então haver uma competição a ver quem (a directora e o “seu” GISP ou os guardas) tratam (e podem tratar) pior os presos. Se o ambiente se vinha degradando, como já tínhamos dado notícia, a demonstração de força de dia 12 nunca havia sido vista. Contra a corrupção? Por certo foi a favor da tortura!

António Paulino Rocha Silva, preso na Ala 3 com o nº 446, embora temendo as represálias – de facto mais que certas, como qualquer preso sabe que assim é – manifestou-se disponível para dar o seu caso pessoal como exemplo do modus faciendi utilizado, admitindo que houve um standard cumprido.

[Um breve parêntesis para referir como da cerca de uma centena de presos massacrados neste episódio - independentemente dos que não podem falar por razões objectivas das consequências dos ferimentos recebidos - quantos deram o nome para testemunhar? Vem isto a propósito dos que argumentam, com uma ligeireza cúmplice, que quando ninguém se queixa isso só pode significar que não houve tortura ou maus tratos: infelizmente, ninguém se queixa porque as ameaças de tortura e maus tratos são demasiado credíveis e reais. E o respeito e valorização daqueles que dão um passo em frente nestas ocasiões, com risco de vida efectivo, não é assumido socialmente]

António Paulino – talvez o guarda Matos o possa confirmar – procurou proteger o guarda das agressões dos presos inquietos que andaram em provocações e que serviram de rastilho ao que se passou a seguir. Não se sabe se o seu nome estava ou não na lista de que se fala ter sido entregue pela guarda local aos homens do GISP. O certo é que sem qualquer razão ou aviso – as ordens de fecho nas celas foram acatadas sem resistência – muitos guardas entraram na cela e obrigaram-no a ajoelhar-se. Eram 15.45 horas. Sentiu ao mesmo tempo 7 choques eléctricos de taser e de bastão, partiram tudo o que encontravam, pisaram-lhe os pés, rasgaram uma foto do pai, arrancaram cabelos (estilo rasta), atiraram-lhe a cabeça contra a parede, estragaram-lhe a playstation, levaram-lhe ouro (não se pode dizer que roubaram). Gritavam alto e muito, como quem odeia por uma boa razão: “preto do caralho!”; “vamos arrancar-te a cabeça”; “porque é que nasceste?”.

Tão breve descrição não faz jus ao terror vivido nem explica todos os hematomas e ossos partidos que podem ser observados, caso haja interesse e poder para realizar tal investigação.

Tais factos reclamam acção firme do Estado, onde o Direito tenha algum valor. A ACED espera para ver.

Na Ala 1 foram instaladas câmaras de filmar. Pode acontecer que estejam estragadas, não tenham filme, terem sofrido falta de corrente eléctrica e muitas outras dificuldades. No caso de terem registado alguma actividade, pode ser que as imagens sejam úteis para indagar o que se passou. Caso não existam imagens só podemos imaginar o pior.

O pior é o caso de Miguel, a quem faltavam 10 dias para sair em liberdade e está neste momento, ao que se sabe, acabado de sair do coma no Hospital de Caxias, sem uma vista e em estado que se verá mais adiante. Outros, em número não determinado e em condições desconhecidas, foram transferidos para diversas cadeias.

Maus tratos na Carregueira

O recluso Hugo Miguel Rocha dos Santos encontra-se numa cela disciplinar em cuecas e sem mais nenhuma roupa para o corpo ou para a cama, segundo informação recebida na ACED.

Sem aviso - e sem razão conhecida - o recluso foi atacado na cela com bastões e gás. Nunca ofereceu resistência. Foi remetido para a cela de admissão e despido. Daí foi para o “manco” nas condições acima referidas.

A ACED espera que o Estado português cumpra as suas obrigações de perseguição da tortura, a que está legalmente obrigado.

Dieta básica no Linhó

Os reclusos foram confrontados com uma redução das doses normais de manteiga, açúcar e pão, que anteriormente era de 3 unidades de cada um deste elementos e que passou a ser de duas unidades. Também os presos em Portugal, pelos vistos, estavam a viver acima das suas possibilidades.

Ironias à parte, o que ocorre é que as dietas nas prisões, alegadamente, estão reguladas a partir de critérios dietéticos definidos superiormente pela direcção geral. Então, das duas uma, ou os técnicos de dietética da direcção geral descobriram recentemente terem estado a esbanjar alimentação e recursos – e rectificaram a situação em todas as cadeias – ou apenas no Linhó esse esbanjamento foi considerado estar a existir. Em qualquer dos casos, a ACED pede as explicações que se imponham.


Está em causa o valor que os serviços prisionais e o Estado atribuem à ciência da dietética e à saúde dos reclusos.

Pinheiro da Cruz a "ferro e fogo"

“Motim” contado por quem o viveu

É escandalosa a informação alegadamente veiculada pela Direcção Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) sobre a ausência de feridos em Pinheiro da Cruz, em consequência do que lá se passou no dia 12 de Outubro. Seja o que for que se tenha passado, os feridos são muitos e só, por um lado, a vergonha de aceitar o que se tenha passado (o que em si não é um mal) e, por outro, a esperança de poder esconder do Estado e do público seja o que for, até mesmo um acontecimento daquela magnitude e com aquele impacto, só a conjugação de ambos os factores podem explicar tão desastrada resposta à comunicação social.

O próximo futuro revelar-nos-á o que a reforma do sistema em curso – e que se anunciou em 2004 ser para continuar pelo menos até 2016 – veio trazer de novidades relativamente à possibilidade de os agentes prisionais poderem continuar impunes e irresponsáveis face a graves atentados aos direitos humanos. Caso o Ministério da Justiça não tenha forma de corrigir a primeira reacção da DGSP e recuperar um mínimo de credibilidade sobre o que se possa vir a dizer ou a escrever daquele lado – e, portanto, permaneça cúmplice de tão imoral comportamento – isso significará que em termos do respeito pelos direitos humanos tudo quanto se diz que se tentou e experimentou fazer até agora, incluindo nova legislação para tornar mais transparente o sistema prisional, é tudo para inglês ver, para fogo de vista, inconsequente e perverso (pois ficará clara a falta de vontade política de alterar a situação no aspecto da qualidade da informação).

À ACED chegou um relato - feito de muitos relatos - sobre o que se terá passado. É esse relato que sintetizamos de seguida.

No dia 11 e 12 dois reclusos da Ala 3 entraram em provocações contra companheiros e contra guardas. Apreciada a situação, as autoridades decidiram aplicar um castigo disciplinar condenando os dois reclusos a uma estadia no “Big Brother” (que é como localmente chamam à cela disciplinar). O chefe de guardas Fernando Pereira levou a notícia aos condenados mas não só não obteve colaboração como foi confrontado com uma contestação violenta. A chegada de outros guardas e o uso da violência contra os dois reclusos foi usada para os colocar na cela disciplinar.

Cerca de 30 a 40 reclusos organizaram uma manifestação junto do portão 3 de onde desafiaram o guarda Matos para uma pega, digamos assim – o que este não aceitou, naturalmente. Alguém virou o carro do almoço nesse dia.
Face a estes acontecimentos reveladores de uma indisciplina cujas causas não sabemos apurar, mas de que não pode ser descartado o mau ambiente gerado por arbitrariedades recorrentes de que aqui e acolá nos chegam ecos à ACED, a direcção da cadeia e a DGSP chamaram o Grupo de Intervenção e Segurança Prisional (GISP) – de que temos notícias recentes de ter abusado dos respectivos poderes para atacar um recluso com tasers… À hora de almoço entraram pelo refeitório a varrer. Face à ameaça de motim – que imaginaram poder estar a preparar-se (porque já havia tempo tinham perdido o controlo da situação, porque os serviços de segurança não fizeram o seu trabalho) – decidiu-se, tudo o indica, organizar um contra-motim, como quem organiza um contra-fogo. Não quiseram saber quem estava envolvido ou deixada de estar nos movimentos de contestação, nem quiseram saber o que contestavam exactamente. Nem a idade de 76 anos de um dos reclusos e nem os reclusos de mais de cinquenta anos escaparam à varridela. Foi tudo corrido a hematomas ou ao que viessem a ser as consequências da pancadaria desenfreada. Os guardas especiais apresentaram-se sem identificação a distribuir murros e pontapés, atirando as cabeças dos presos contra a parede.

Pelas 18.00 horas, com uma lista fornecida pelas autoridades locais, os homens do GISP dirigiram-se às celas já fechadas para distribuir nova carga de pancadaria, dentro das celas, destruindo e retirando os pertences de cada um, incluindo livros, secretárias, CD, roupa, e todos os poucos haveres que cada um foi pedindo autorização justificada para acumular na cela para seu uso.

No rescaldo fecharam o pátio central e cada ala está agora isolada dentro da prisão. Três ou quatro presos seguiram em coma para o Hospital de Caxias, um deles está actualmente ligado a uma máquina. Houve quem fosse transferido para Monsanto (o inferno dos infernos dos serviços prisionais).

Face à posição assumida publicamente pela DGSP de negar a existência de sequelas do que ocorreu em Pinheiro da Cruz, basta às autoridades que assim o entenderem verificar as entradas de doentes no hospital, a respectiva origem e estado de saúde, para se darem conta da intolerável incongruência das informações. Do lado dos presos que nos relataram os acontecimentos de que tiveram conhecimento pede-se que médicos de fora do sistema prisional – talvez do sistema nacional de saúde, com responsabilidades sobre a saúde pública – vão a Pinheiro da Cruz e identifiquem as consequências do que parece não ter ocorrido, na versão surrealista das autoridades prisionais.

A ACED insiste neste ponto: perante abusos como estes – evidentes aos olhos mesmo dos cidadãos mais desatentos – é mais importante que os responsáveis façam uso das suas responsabilidades. Como se sabe em Portugal (e não só) usa-se muito a “responsabilidade” para organizar a postura de vítima, para defesa do tacho próprio. Ele há muitas formas de entender o serviço público, naturalmente. O tempo de crise como o que atravessamos é um tempo tão bom ou melhor do que outros para torcer os costumes e dar-lhes uma moralidade sem a qual a irresponsabilidade gerará mais e mais confusão, apenas para que aqueles que possam manter-se acima dela continuem a fingir que não é nada com eles.

Em 28 de Agiosto, já tínhamos dado a conhecer a interpretação que alguns observadores da vida na cadeia de Pinheiro da Cruz faziam da crescente tensão que lá se fazia sentir. Vem a propósito do “motim” recordar e reforçar tal interpretação, no sentido de ajudar a clarificar a situação para quem esteja em condições - e interessado - em investigar com alguma profundidade.
Segundo a referida interpretação, a determinação (própria ou encomendada a partir da DGSP) de combate à corrupção reinante (digamos assim, sem especificar aquilo que pode e deve ser especificado em sede própria) da actual direcção da cadeia, desde a sua chegada causou, naturalmente, mau estar. Essa nova situação fazia-se sentir no contacto de vários guardas com os reclusos, por exemplo, quando os primeiros afirmavam aos últimos serem certos problemas causados pelas decisões da direcção da cadeia contra a qual eles não poderiam nem quereriam ser intermediários (vale a pena aqui referir serem os guardas portugueses frequentemente elogiados – como característica singular que outros colegas seus europeus não têm – por serem mobilizáveis para toda a espécie de serviços, sem necessidade de formalidades: isso torna esta história mais verosímil).

Este tipo de comportamentos de incitação à contestação sem intermediação à direcção da cadeia procuraria estabelecer alguma confusão da qual esta pudesse ser, naturalmente, responsabilizada e, eventualmente, afastada.

No centro do debate actual parece estar o uso a dar ao pátio central. A direcção da cadeia, segundo se julga saber, pretende acabar com o acesso dos presos de todas as alas ao pátio central (que é a situação actual, depois do chamado “motim” que não chegou a sê-lo). Pode estar a assistir-se neste momento à imposição de tal medida de forma definitiva, o que significaria, aos olhos de quem interpreta, uma vitória da direcção. Mas, julga, uma vitória de Pirro, já que a prisão foi desenhada para ter aquela circulação de pessoas dentro da cadeia e, caso isso seja inviabilizado, é natural que novos surtos de violência se acumulem em vez de se esvaziarem.

A bondade da luta contra a corrupção – urgente e necessária – não deve ignorar que os presos são gente e têm necessidades próprias, como a luta pela manutenção de privilégios mais ou menos legítimos não deveria ser uma forma de manipular a população prisional como carne para canhão em tal guerra. Além dos presos não deverem servir de cobaias para as guerras do GISP.
A ACED apela à responsabilidade funcional e política das agências inspectivas e dos governantes, para que não deixem passar mais este atentado aos direitos humanos nas prisões portuguesas.
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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

“Motim” em Pinheiro da Cruz faz desaparecer recluso

A esposa de Bubacar Silé, preso em Pinheiro da Cruz com o nº 43, foi alertada para um “motim” que estará ainda a decorrer em Pinheiro da Cruz. Foi informada de que o seu marido, algemado, foi barbaramente espancado – como muitos outros – com bastões e choques eléctricos. Terá sido assistido num hospital.

Ao contrário de outros que entretanto regressaram à prisão, o marido não regressou. Constou que irá ser transferido ou já foi transferido, não se percebendo se essa informação é real ou serva para encobrir alguma outra mais desagradável.

A esposa do recluso pediu informações à cadeia, tendo conseguido chegar à fala com a educadora do seu marido. Queixa-se de ter sido atendida com sobranceria e arrogância, tendo a educadora recusado identificar-se ao telefone bem assim como dar qualquer informação.

Naturalmente a família está inquieta e deseja saber o que se passa com Silé. Não tem é forma de proceder, dado o sigilo do Estado face à situação.

Também a irmã de João Correia Gonçalves foi alertada para o” motim” que estará ainda a decorrer. E foi informada de que o seu irmão também foi barbaramente espancado. Terão inclusivamente espancado velhos. Terá sido assistido num hospital, como outros. Gonçalves terá voltado à prisão e ficado de castigo.

A ACED pede às autoridades que sejam ponderados os procedimentos em situações semelhantes com respeito pelos direitos das pessoas, tanto no interior como no exterior das cadeias, o que parece não ser o caso no relato que nos foi transmitido.

Foto: PÚBLICO

domingo, 10 de outubro de 2010

Greve de fome em Caxias

Carlos Gouveia está actualmente preso em Caxias. Faz greve de fome há 22 dias, desde que, segundo alega, foi filmada a cena preparada pelo GISP para o obrigar a limpar a cela através do uso de choques de tazer, no que aparentou ser uma experiência de que ele terá sido a cobaia.

O próprio ficou estupefacto com tal actuação que se dispensou de classificar, talvez por parecer ser demasiado óbvia e oficial a tortura.

Conforme referiu, dirigiu-se-nos para que produzíssemos queixa na esperança de conseguir ultrapassar o castelo de silêncios para onde o remeteram. Estigmatizado como recluso perigoso ou problemático, dos 11 anos de cadeia que já cumpriu, seis tem estado quase ininterruptamente em regime de segurança, a tal situação de castigo informal a critério de quem possa ter poder para tal. Passou por várias prisões, um mês aqui e outro ali, lá lhe permite viver no regime fechado normal. Mais cedo que tarde voltam a metê-lo em regime de segurança com pretextos diversos, mas falsos, embora sem razões de queixa de nenhum guarda ou funcionário que com ele lide diariamente.

A verdadeira razão será o estigma que o persegue, faz seis anos, de ser um preso indesejável. Os responsáveis sabem que ele reage ao facto de estar em regime de segurança e provocam a situação para justificar a sua saída do estabelecimento e da respectiva alçada. O périplo terá sido de Caxias para Coimbra, para Paços de Ferreira e, agora, de volta a Caxias.

Faz greve de fome contra o tratamento de tazer a que foi sujeito, que quer ver julgado. Faz greve de fome contra a perseguição e o jogo do empurra que faz dele um joguete nas mãos das bruxas, independentemente do comportamento que tenha. Preferiria trabalhar, se pudesse, mas não o deixam.

Foi contra isso que decidiu sujar a cela com os próprios excrementos, para reclamar respostas que tem pedido a várias entidades, incluindo a Procuradoria-geral da República através de advogada oficiosa, sem nenhum resultado. Queixa-se de lhe pedirem dinheiro para fazer avançar os processos de queixa contra quem o ataca assim, a que não pode corresponder por falta de meios. Por isso, julga, os processos são arquivados e a sua situação fica cada vez mais insustentável.

Foi na sequência dessa forma de protesto que o GISP decidiu actuar como descrito acima, antes da última transferência ter sido realizada para Caxias. Obrigando-o através de choques a acatar a ordem de limpar a cela.

Depois do legado de George W. Bush ficamos inseguros se a tortura incluirá comportamentos como os descritos. Mas não nos consta que o Estado português, pelo menos oficialmente, tenha adoptado os novos conceitos. O GISP, por seu lado, ou já os adoptou ou, a ser verdade a denúncia, anda a treinar para quando as novidades forem adoptadas.

A ACED reclama das autoridades uma avaliação tão séria quanto possível da situação alegada.

A prisão "modelo" da Carregueira

Falta de roupa

Os reclusos não têm roupa suficiente para fazerem desporto. São obrigados a vestir roupa suada e suja, pois a lavandaria demora muito tempo para entregar a roupa à sua guarda - e com o tempo menos quente lavar e secar roupa nas celas não é possível. Como também os familiares não estão autorizados a entregar roupa, para as visitas os presos vão com o pijama, por ser a roupa mais limpa que têm.

Transferências

Hugo Miguel da Rocha Santos, preso na Carregueira, a quem foi recusado recentemente um pedido de transferência, recebeu um documento do Tribunal de Execução de Penas onde se menciona a sua estada em Vale de Judeus – depois rasurada. Ficou a suspeita de ter havido uma decisão de transferência que poderá ter sido interrompida por qualquer factor desconhecido, que o próprio estaria interessado em conhecer.

Ocorre com Mário Rui Fernandes Pereira Varela algo semelhante que aprofunda as dúvidas sobre o que se possa estar a passar. 20 Dias atrás foi chamado para confirmar, através de assinatura, a sua transferência para uma outra cadeia, conforme era seu desejo. Quando perguntou o que estava a fazer demorar a transferência, informam-no de que o “prazo” tinha passado.

Desconhecendo o que seja “o prazo” e estranhando o sucedido, o preso pede que o informem sobre o significado de tal resposta cabalística e do estado do processo de transferência.

Terá ocorrido algo semelhante com o processo de Hugo Santos?

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Acidente de trabalho no Linhó

Hélder Costa está preso no Linhó e trabalha como pastor em regime de RAVI. Dia 26 de Setembro de 2010 foi atingido por um bode que perseguia uma cabra com cio que os pastores estavam a agarrar. Em consequência, Hélder ficou de baixa.

Não há, para acidentes de trabalho, nenhum seguro. Não são conhecidos procedimentos de segurança para evitar os riscos da actividade, exercida sem nenhuma formação por presos a quem se obriga a aceitar aquele trabalho sem condições, sob pena de verem revogado o regime de RAVI, isto é, voltarem para o “interior”, o regime fechado. Nenhum aviso ou orientação são oferecidos aos presos sobre como lidar com os animais.
Na esperança de contribuir para evitar acidentes futuros, agradecendo a generosidade de Hélder Costa que arrisca granjear a má vontade das autoridades prisionais – que não lhe escondem sentirem-se incomodadas por estar a utilizar a ACED como forma de veicular as suas contribuições para um serviço prisional mais eficaz – deixamos aqui a sugestão de revisão do quadro de segurança contra acidentes de trabalho dos pastores do Linhó.

Explicação de decisões judiciais em sede de Tribunal de Execução de Penas

Desde 2007, quando entrou a nova legislação em vigor, sete presos em situação de Regime Aberto Virado para o Interior (RAVI) a poucos meses de cumprirem 2/3 da pena (entre 4 e 6 meses) viram-lhes ser negada a liberdade condicional por decisão subscrita pelo juiz Boavida, titular do Tribunal de Penas adstrito à prisão de Linhó.

Pela leitura das decisões judiciais não se percebe o que as sustenta. Visto que reflectem o bom comportamento e a vontade de trabalhar necessários para se estar em RAVI e depois, aparentemente em contra senso, sem outras explicações, como se fosse uma decisão arbitrária e desconsiderando a pessoa presa, a decisão nega a liberdade condicional num tempo de cumprimento de pena bastante distante dos mínimos exigidos por lei. Isto é, tudo se passa como se os termos da nova lei, que apresenta a liberdade condicional como uma forma de cumprimento de pena plausível de ser aplicada mais cedo do que na lei anterior, não tivessem nenhum impacto no juízo do tribunal, comparativamente às práticas anteriores. Com a agravante – no sentido de tornar ainda menos compreensível a situação para os presos em RAVI – de, ao mesmo tempo, haver concessões de liberdade para presos do regime fechado, em condições de pena semelhantes aos que vêm negada a liberdade condicional.

Naturalmente que uma melhor avaliação da situação exigiria um estudo das decisões do tribunal que não fizemos. Limitamo-nos a transmitir as dúvidas que alguns presos nos fizeram chegar, ansiosos por verem um fim à sua estadia na prisão, naturalmente. Mas sentindo-se sobretudo no direito de exigir do tribunal e do sistema de justiça em geral critérios compreensíveis e equitativos de decisão, ainda que ponderados caso a caso. O que reclama a expressão formalizada da apreciação de cada situação julgada sob forma escrita e pública nos acórdãos, o que não ocorre.