Abusos e maus tratos contra presos em Monsanto
Admilson Pires, desorientado, pede ajuda.
Mas que ajuda é possível perante um Estado que entende necessário justificar regimes de alta segurança prisional de facto usados como sistema de intimidação?
Se assim não fosse, de Monsanto não viriam as mesmas mensagens como que tiradas a fotocópia: referindo a provocação e a violação de direitos (nomeadamente de correspondência) usadas para manter ocupados alguns lugares na cadeia. Na falta de justificação para a existência de um tal regime (que se prevê necessário um dia) vai-se usando e valorizando gente capaz de minimizar outros tão baixo quanto a eles próprios se minimizam.
A ACED cumpre a sua função: levar a voz dos que teoricamente (na lei) têm voz mas na prática o Estado recusa aquilo a que teoricamente é obrigado. Como faz isso? O valor da história que Admilson conta é que pode oferecer respostas a essa pergunta.
A sua esperança estava fixada numa data próxima em que a “avaliação” permitisse ao sistema reconhecer o seu bom comportamento e voltar a fechá-lo numa prisão com um regime regular. E mais uma vez compreendeu que não pode ter nenhuma garantia de segurança no comportamento das autoridades. São capazes de qualquer coisa para manter necessária a alta segurança.
Admilson entrou em Monsanto dia 18/jun/2010. E testemunha a existência de uma situação geral de injustiças quotidianas e abusos de poder. Responsabiliza, naturalmente, a direcção. Como é lógico. Em concreto concentra a sua mensagem em duas histórias que lhe terão parecido mais relevantes.
a) quando entrou aconteceu-lhe isto: condenado a 21 dias de cela disciplinar foi informado pelos serviços jurídicos de que dispunha de 5 dias para recorrer. Recorreu. E enviou a carta pelo correio. Mais tarde recebe a resposta do TEP informando que o recurso tinha chegado fora de prazo ao tribunal. A carta só pode ter sido retida pelos serviços – que medeiam obrigatoriamente entre o recluso e os correios. Não é a primeira queixa recebida na ACED sobre a existência desta estratégia de inibição de direitos de recurso.
b) quando se preparava para sair de Monsanto, a poucos dias da avaliação, aconteceu-lhe isto: assistia a um curso de inglês. Notou um olhar fixo do chefe Estrela. Mas não deu importância. Ao sair da sala de aula foi interpelado agressivamente pelo chefe em causa, queixando-se de palavras impróprias que o recluso lhe teria dirigido. Compreendendo a má intenção do guarda, o recluso limitou-se a não reagir. A participação contra si, porém, avançou e foram ouvidos em processo de inquérito os reclusos que estavam na sala (o professor não o foi, estranha Admilson). Todos confirmaram não ter ouvido nada mas, tudo resumido, 8 dias de cela disciplinar e uma mancha no cadastro nas vésperas da avaliação, apesar de ninguém ter ouvido nada.
No relatório de avaliação o episódio torna-se uma coisa de extrema gravidade que é “tratar mal um guarda”. “Se estou dentro da sala, como será que posso tratar mal um guarda que está do lado de fora de paredes de vidro grossas, sem que toda a sala e o próprio professor dessem conta dos gritos que seriam necessários para passar uma tal barreira?”O relatório de avaliação também mencionava os “casos graves” que o levaram a dar entrada em Monsanto sem os referir ou explicar em que medida e durante quanto tempo serão graves tais casos.
Admilson pede ajuda para organizar a sua própria cabeça. O que se está a passar com ele? Quer saber. A ACED tem uma opinião sobre isso e deixou-a expressa de forma muito sucinta no início deste ofício. Mas uma tal explicação não é compatível com a existência de um estado de direito.
Haverá melhor explicação para aquilo que se está a passar (sem ser aquela ideia de que os presos mentem sempre e os carcereiros dizem sempre a verdade)? Como é que a finalidade inscrita na lei para os serviços prisionais se compagina com práticas susceptíveis de desorientar as vítimas com base na falta de critério?
A haver respostas credíveis a estas perguntas, elas seriam certamente uma grande ajuda para Admilson Pires e para outros, entre os quais os próprios membros da ACED. Caso haja quem esteja em condições de proporcionar uma tal ajuda, que avance. Agradecemos antecipadamente.
Maus tratos e discriminação
Criado no EPL o ambiente de terror que se descreveu sucintamente é difícil – precisamente – ter acesso a identidades de queixosos. Em circunstâncias menos abusivas do que aquela que parece ser o caso no EPL, é muito raro os reclusos queixarem-se, como o Senhor Inspector não poderá negar. Evitam perseguições que necessariamente se sucedem contra quem a tal se atrever. A decisão de avançar na denúncia é, portanto, um risco cujo perigo dificilmente pode ser calculado – vários casos que a ACED tem relatado mostram isso mesmo.
Naturalmente que a ACED compreende que não serão os serviços de V.Exa. que irão endireitar aquilo que nasceu torto. Porém, neste caso concreto, tendo a ACED expedido em 26 de Janeiro deste ano uma denúncia de um acto de inspecção que ou ficou a meio ou foi (como há quem tema) uma forma de produzir uma lista de potenciais queixosos para os tramar, não tendo até hoje a ACED recebido nenhuma informação sobre o sentido das averiguações feitas a este caso, estranha o descarte das situações denunciadas nestes casos em apreço como meras vacuidades.
Ou melhor dito: a ACED sugere a V.Exa. que utilize os queixosos que deram o nome a senhor Inspector Inácio Francisco Simões de Oliveira (dezenas, segundo nos informaram) dispostos a falar – caso haja quem esteja disposto a ouvi-los sobre as barbaridades a que tem sido sujeitos no EPL. Que junte o presente processo ao processo aberto a propósito do oficio citado e ainda não fechado.
Infelizmente a ACED não tem nem meios nem autoridade para assegurar comunicações com os reclusos ou, menos ainda, assegurar que não serão vítimas de represálias por se queixarem. Mas existindo já uma lista de testemunhas na posse dos serviços prisionais, a nossa sugestão é que os vossos serviços procurem essa lista e a usem para os mesmos fins em vista: fazer um cenário geral sobre o estado de repressão abusiva que alegadamente se vive naquela prisão.
Incapacidade de cuidados de saúde no Linhó
Um recluso de nome Jorge começou a sentir fortes dores e foi atendido pelos enfermeiros de serviço pelas 14:00 de hoje. Apesar dessa atenção, as dores mantiveram-se sem alteração e, perante isso, os enfermeiros manifestaram a sua incapacidade de tratar do problema antes das 16:00, quando esperavam que pudesse aparecer um dos dois médicos ao serviço.
Esta urgência que aconteceu com o Jorge pode acontecer com qualquer um dos outros presos, impedidos de procurarem ajuda e, ao mesmo tempo, sujeitos ao que o caso vier. Que pode não ser nada – além do sofrimento – como podem ser consequências irreversíveis.
A ACED pede uma avaliação da situação com vista a vir a ser possível evitar situações como esta para o futuro.
Redução da ração para metade no Linhó
Hoje ao almoço a entremeada foi servida com metade da dimensão habitual. Costuma calhar duas peças a cada preso mas desta vez cada uma das peças foi cortada ao meio e assim completas as duas peças com metade do alimento. A ACED retoma a chamada de atenção já feita a respeito dos medicamentos e recorda o estado calamitoso a que o sistema prisional chegou em meados dos anos 90, onde a suborçamentação se juntava à sobrelotação, tendo Portugal atingido taxas de mortalidade nas prisões jamais atingidas na Europa.
Abusos contra as visitas na prisão de Caxias
Visitas recentes à prisão de Caxias têm sido sujeitas a desnudamentos e a apalpações brutais para que seja autorizada a visita. A humilhação é de modo a incomodar as vítimas ao ponto de não lhes ser possível evitar o choro.
Tais práticas tem sido denunciadas em outras prisões, sendo que as pessoas se sujeitam a isso para visitar os seus familiares e amigos e, por isso, preferem não apresentar queixa e aceitam manter a situação. Pela reacção das autoridades às queixas anteriores, nomeadamente às queixas formuladas pela ACED, dá a impressão (que pode ser incorrecta) de as ordens para proceder desta forma (dissuasão pela humilhação) vêm de cima. Pelo menos não há nenhuma urgência em tratar do assunto de modo a evitar que ele se banalize. A ACED chama a atenção que as humilhações por muito vulgares que sejam nunca são banais. E são sempre criminosas, mesmo quando não há queixosos dispostos a dar a cara, com receio de mais abusos.
A ACED insiste na necessidade de por um fim a tais práticas onde elas existam, mesmo que não seja possível identificar os abusadores e humilhadores profissionais.
Más práticas de educador na cadeia do Linhó
Jorge Manuel Teixeira Agostinho está preso no Linhó. Teve consultas de âmbito psicológico com o Dr. Rui Coelho onde falou sobre a sua vida íntima, a propósito da actividade criminosa que desenvolveu, com vista aos objectivos a atingir por essas consultas. Entretanto o Dr. Rui Coelho tornou-se educador prisional e foi colocado em posição de ser o educador responsável por seguir a vida prisional do recluso e de dar parecer sobre ela ao Conselho Técnico.
Acontece que no dia 19 de Maio de 2011 o recluso entregou o seu primeiro pedido de saída precária. Mais tarde, o educador em causa informou o recluso de que o seu pedido tinha sido indeferido, o que não foi surpresa para o recluso. Sabe do saber feito de experiência dos outros reclusos que o primeiro pedido não é "dado" mas o segundo, esse sim. Sabe também que só é possível fazer pedidos de saídas precárias alguns meses após a resposta ao último pedido feito. Como sabe que a época do ano mais adequada para gozar uma precária é a época de Natal/fim do ano.
Ora veio a saber mais recentemente que, afinal, o pedido de saída precária só deu entrada a 13 de Julho de 2011. E que a informação sobre o indeferimento não é verdadeira, pois ainda não há uma decisão sobre o assunto, cujo agendamento para o conselho técnico está feito para a próxima reunião.
Como é que isto é interpretado (e sofrido) pelo recluso? O educador, por alguma razão (por exemplo, pelo efeito de saber detalhes pouco abonatórios da vida do recluso) sentiu vontade de lhe prejudicar a vida. Então, a exemplo do que terá feito anteriormente noutros casos de que Jorge disse ter conhecimento, o Dr. Rui Coelho escolheu uma data de entrega dos pedidos de saída precária de tal modo que impede que o pedido com maior hipótese de ser efectivamente concedidos (os segundos, como se disse acima ser a rotina) possa ser respondido em tempo útil para calhar na época de Natal/fim do ano (na medida em que para que isso aconteça é preciso que tenham passado os meses que regulamentarmente devem passar antes que se possa meter novo pedido.
Em resumo e na prática: para que a saída calhe no Natal, Jorge terá que esperar para o ano de 2012 e rezar para que na altura própria o educador não volte a escolher o dia em que dá entrada ao pedido. Este ano a entrada do seu pedido em Julho impede-o de voltar a fazer um pedido em tempo útil (e já era previsível que assim fosse, como todos sabem na prisão). Do ponto de vista da ACED não deve ser possível que a mesma pessoa que trabalhou com um recluso como psicólogo volte a trabalhar com o mesmo recluso como educador. Essa incompatibilidade deve-se ao facto de o sigilo do psicólogo ser necessário e obrigatório, sem o qual o trabalho do psicólogo prisional se arrisca a deixar de ser viável daqui para a frente, assim se espelhem notícias como esta.
Outro problema é a possibilidade de manipulação dos processos de interesse e responsabilidade do recluso por parte do educador, cuja autoridade para o fazer é nula e cuja conduta nos termos descritos parece admissível, sob que pretexto for.
O recluso e a ACED esperam por uma clarificação destas duas situações, na esperança de vir a ser possível - no futuro - que casos como este não voltem a acontecer.