quinta-feira, 15 de abril de 2010

Código de Execução de Penas

Oportunismo populista e (falta de) ética

O novo Código de Execução de Penas está aprovado faz vários meses. Apenas agora, Abril de 2010, entra em vigor. Seria natural que apanhasse de surpresa as pessoas menos informadas. Mas os sindicatos do ministério público, dos polícias e o CDS/PP também foram apanhados de surpresa? Ou querem apenas fazer chicana política?
Portugal, infelizmente, não tem uma tradição forte na defesa dos direitos dos arguidos. Há quem pense e diga não haver em Portugal respeito pelo Estado de Direito. Há mesmo quem tenha declarado serem os tribunais onde mais se ofendem os direitos humanos dos cidadãos. Todos temos de concordar, por outro lado, ser a justiça – incluindo o desrespeito normalizado pelos direitos de quem esteja implicado em casos judiciais – um dos maiores e mais importantes obstáculos ao desenvolvimento do país.

Fazer chicana política com a justiça – neste caso com o código de execução de penas – é crime contra a necessidade de se dar a volta a este óbice ao nosso bem-estar, ao prestígio do nosso país e da nossa cultura. É intolerável vir para a comunicação gritar que 6 anos de prisão por um crime de sangue (um quarto da pena máxima) é pouco. Que é um desrespeito pelas vítimas.

É pouco para quê? É pouco para quem?

O sistema de penas de prisão proporcionais aos crimes cometidos, sob apreciação de um juiz independente, não resolve o problema da emergência de criminalidade nas sociedades. (De facto acontece aumentar o crime e diminuir o número de presos, como acontece actualmente em Portugal, como acontece diminuir o crime e aumentar o número de prisioneiros, como aconteceu durante os anos 90 em Portugal.) Mas foi o estado a que foi possível chegar, através de experiências milenares, para fazer justiça através do direito, segundo um modelo ocidental adoptado universalmente por todas as civilizações.

A justiça do Estado não substitui o sofrimento das sociedades no dirimir dos crimes a que estas estão sujeitas. A maioria dos crimes cometidos – sejam eles os das cifras negras da criminalidade, como a criminalidade não denunciada ou a criminalidade não condenada após tratamento institucional, sejam eles os crimes de colarinho branco, sobretudo os perpetrados pelos amigos e parceiros de negócios das classes dominantes – são sofridos, aguentados e curados pelas sociedades, à margem do Estado, quantas vezes sob pressão do Estado para evitar queixas e eventuais escândalos. Sofrem, como todos sabem bem, sobretudo mulheres e crianças. Na guerra ou nos abusos sexuais.

O novo código de execução de penas é uma reacção do Estado a uma situação calamitosa vivida em Portugal nos anos 90, quando o número de óbitos e doentes entre os presos atingiu picos várias vezes superiores à média da União Europeia e mesmo bastante acima dos verificados na Rússia e outros países de Leste, conhecidos pela máxima dureza das suas práticas penitenciárias. Essa reacção tem um aspecto francamente positivo: obrigar ao uso das penas de prisão em regime aberto que durante décadas foram tal uso foi inibido por decisões negligentes das entidades responsáveis e que, na prática, resultaram na calamidade face à qual Freitas do Amaral disse um dia serem necessários 12 anos – ainda a decorrer – de esforços consistentes para que as prisões portuguesas, um dia, possam ser comparáveis com os standard europeus médios.

Há quem pretenda mobilizar o espírito de vingança dos portugueses para evitar expor ao que vêem quando reclamam por penas mais pesadas. Mas não é preciso grande perspicácia para entender o seu acanhamento.

O CDS/PP acha muito bem os prémios milionários aos gestores em tempos de crise, defende a contenção nas acusações públicas contra pessoas indiciadas judicialmente (sobretudo quando lhes são próximas) e joga nos bastidores as conspirações defensivas, conciliatórias ou de contra-ataque (a alta política dos dias de hoje), e entende tudo isto ser compatível com a redução dos rendimentos dos mais pobres, sabendo que mesmo quem trabalha aufere salários insuficientes para a sobrevivência, alinhando até com todas as políticas tendentes para reduzir ainda mais tais salários, em nome da saúde das empresas. O CDS/PP sabe, como todos nós sabemos, que as prisões são para os pobres e lá as doenças e a morte ceifam vidas em modo acelerado. Há pois alguma coerência nas posições de direita: engavetar a exclusão social; dividir entre os pobres bons e os pobres maus é uma velha receita.

O Ministério Público entrou em guerra contra a droga, nos idos de 80. Conseguiu transformar as prisões em centros de acolhimento forçado de toxicodependentes e, ao mesmo tempo, de supermercado oficioso de tráfico de drogas inflacionadas, de baixa qualidade, de alto risco para os consumidores e de alta rentabilidade para os traficantes. A linha de comando entre o ministério da Justiça e cada estabelecimento prisional, e mesmo dentro dos estabelecimentos prisionais, não existe, dada a concorrência entre si dos poderes fácticos locais e dos interesses que trocam entre si. A ponto de um destes dias centenas de homens da GNR, enviados para acalmar um juiz irritado, ao que parece, invadiram uma grande prisão no Norte para inspeccionar igualmente presos e funcionários com vista a surpreender os tráficos aí existentes. Vem agora o sindicato dizer à praça pública que quer manter activos os negócios prisionais? A sua tarefa deveria ser a de acabar com eles!

Compreende-se que o governo esteja concentrado no essencial para si, exaurido de capacidade de combate por causas “secundárias”, como essa de defender a justiça e o direito. Pela nossa parte estamos dispostos e disponíveis para defender a aplicação alargada de regimes abertos de prisão, com argumentos, com base na experiência portuguesa e nas responsabilidades de cada um na construção de um Portugal sem histerias e focado em melhorar a vida de todos. É assim que entendemos a Justiça.

António Pedro Dores
[em nome da ACED]
Lisboa, 2010-04-09

Foto: DR

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