quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Listas negras no EPL

Inácio Francisco Simões de Oliveira é o nome completo de um alegado inspector dos Serviços de Aditoria e Inspecção dos serviços prisionais que se insinuou aos reclusos do Estabelecimento Prisional de Lisboa. Estaria ali com a missão de fazer um levantamento de todos os casos de violência de guardas contra reclusos. Aliciou os detidos dando a entender que a própria Direcção Geral dos Serviços prisionais sabia existir algo de intrinsecamente violento no comportamento de alguns guardas que impunemente batiam e batem nos presos, sob qualquer pretexto. Dizia compreender que tal ambiente de violência poderia ser suficientemente convincente para dissuadir os reclusos de qualquer denúncia. Pedia que avançassem, todavia, mesmo que pensassem que os guardas violentos têm apoio das chefias e da direcção da cadeia ou que, por alguma razão, tais guardas têm condicionadas ambas as autoridades (sabe-se lá porquê e como). Dizia que a direcção geral estava empenhada em pôr termo aos desmandos quotidianos naquela cadeia. E informou-se abundantemente, com pormenores, sobre diversos casos de que muitos presos têm sido vítimas.

O senhor em causa mandava dizer que queria ouvir todos os que tivessem alguma coisa a dizer e pedia que quem estivesse em condições de o fazer lhe desse o nome, que ele os iria ouvir em tempo oportuno. Deu mesmo um número de telefone que dizia ser pessoal para receber todo o tipo de informação, que era o 969342461.

De um momento para o outro, depois de ter obtido a informação que queria, entre a qual uma lista de identificações de todos os presos com razões de queixa de violência de guardas contra si, desapareceu. Nunca mais se soube nem do senhor nem do interesse da direcção geral por aclarar o assunto que alegadamente motivou a sua ida ao EPL.

O facto de o senhor se movimentar com facilidade dentro da cadeia prova que era reconhecido pelas autoridades da prisão. Porém, tendo mentido sobre o objectivo dos seus trabalhos, levantou a suspeita de poder estar ali não para levantar mas sim para abafar as denúncias da violência crónica que se vive na prisão. Levantou-se a dúvida sobre o seu real estatuto profissional, dada as inverdades com que aliciou os reclusos.

Se os reclusos têm estado calados com medo das represálias, acaso denunciem seja o que for, actualmente estão temerosos do que seja que lhes prepararam, aos que deram o nome. Por terem sido aliciados a avançar, confiando numa pessoa cujo papel conspirativo é hoje evidente. Efectivamente, o senhor acima citado ouviu dezenas de presos, mas identificou muitos mais que nunca chegou a ouvir. Hoje todos temem terem caído numa esparrela cujo sentido lhes escapa mas cujas consequências temem.


Será que o senhor é efectivamente dos serviços prisionais? Que objectivo real o trouxe ao EPL? Por que andou a provocar os presos para que falassem, quando de facto era outro o seu objectivo? Que objectivo é esse? Quem, na prisão ou nos serviços centrais da direcção geral, é cúmplice de tal comportamento?

Sabe-se que há circuitos de guardas que têm formas de marcar, por assim dizer, os presos e persegui-los ao longo de toda a carreira como presos, discriminando-os, prejudicando-lhes a vida e o dia-a-dia obsessivamente, independentemente das cadeias para onde sejam transferidos. Por serem preventivos, muitos dos presos do EPL poderão ficar no sistema prisional durante algum tempo. Temem, por isso, pela sua situação presente e futura.

À ACED parece insuportável a ideia de haver alguém autorizado (formal ou informalmente) a recolher informação de identidades de presos queixosos num ambiente prisional onde a violência é quotidiana e intimidante. É, nitidamente, uma forma inovadora mas intolerável de reprimir os direitos dos presos, troçando ao mesmo tempo das intenções políticas anunciadas pelo legislador de melhorar as condições de queixa dos presos.

No início do mandato do presidente Sampaio, aquando dos indultos presidenciais, uma informação errada reportou o supremo poder do Estado da capacidade de intervenção dos fantasmas prisionais. O mesmo ocorreu no início do mandato do presidente Cavaco, tendo este passado a admitir apenas um dígito de indultos por ano – certamente para se poder assegurar não voltarem a existir mais erros arreliadores. Durante a campanha eleitoral para a presidência, quiçá aproveitando a concentração das atenções públicas para o acto eleitoral, os factos acima relatados de forma superficial, como chegaram ao conhecimento da ACED, indiciam mais uma vez um uso indevido da informação na direcção geral dos serviços prisionais, cujos contornos e finalidades não são claros. Pelo que se pedem esclarecimentos cabais do uso da informação referida, em especial sobre o paradeiro e o uso da lista de nomes de presos com vontade de se queixarem de violências sobre si exercidas por guardas prisionais no EPL, recentemente.

Pedimos também expressamente ao senhor Procurador-geral da República que averigúe se há razões para determinar inquérito criminal pelos actos mencionados de Inácio Francisco Simões de Oliveira e por outros que se escondem aos olhos dos presos, sem os quais os primeiros não fazem sentido.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Visita batida e atirada pela escada abaixo na Carregueira

Amilton César Gonçalves Montron está de castigo na admissão. Foi esta a mensagem recebida por Mónica Ramos Gomes, sua companheira.

No último domingo, Mónica foi à cadeia da Carregueira, com o filho, para visitar o companheiro. Foi revistada à entrada. E entrou. Dirigia-se à casa de banho com a criança quando foi abordada por uma guarda: queria revistá-la. Queixou-se por já ter sido revistada. A guarda “explicou-lhe” aos gritos que quem mandava ali era ela e que revistava quantas vezes quisesse quem quisesse. Hesitante Mónica acedeu à segunda revista. Mas arrependeu-se quando a guarda começa a despir o seu filho. Não aceitou fazer o filho passar por isso. Então que não poderia haver visita, contrapôs a guarda. Que assim fosse, respondeu a visita.

Na volta para a entrada, talvez para vincar as ameaças de jamais voltar a passar as portas da cadeia sem ser maçada por variadas revistas ou até ser impedida de entrar, a guarda decidiu atirar-se aos cabelos de Mónica, puxando-os e empurrando-a por uma escada para onde se dirigiam, provocando a queda da mulher e da criança, ambas feridas em gravidade por contusões na cabeça e nas costas. Isto passou-se na presença de um outro guarda, masculino, que “aproveitou” para apertar o pescoço a Mónica. Na portaria, onde foi buscar os seus haveres ali depositados, Mónica e a criança foram insultados pela histeria da guarda, sob o testemunho ocular de duas guardas e um outro guarda.

Atarantada Mónica abandona a prisão. E alguém lhe falou da existência da ACED. Recomendámos a denúncia da situação. Mónica disse que saberia recordar-se na cara da guarda agressora mas não da cara do guarda agressor. De nenhum sabe o nome. Teme que o seu companheiro esteja a ser castigado por este incidente de que foi vítima (não sabe por que está castigado). E está disposta a colaborar no esclarecimento do caso junto de autoridades idóneas que se interessem por fazê-lo.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Risco de acidente no Linhó confirmou-se (continuação)

Direitos humanos são uma tanga?

Apesar do pedido de socorro que transmitimos a solicitação de companheiros de Isaurindo Gil, lá está ele com o nariz partido, várias costelas partidas, sem que tenha havido o cuidado de o fotografar magoado (ou deverá dizer-se tendo havido o cuidado?). “Irreconhecível”, como o descrevem os companheiros, porquê? E como?

Há quem se queixe de as referências aos direitos humanos serem uma tanga, para usar o termo vernáculo celebrizado por um antigo primeiro-ministro deste país. Já se sabe que as prisões são exactamente um dos locais onde se pode esperar mais oportunidades de atentados directos e evidentes aos direitos das pessoas, sujeitas – por isso – a sistemas de vigilância e inspecção redundantes e internacionalizados a nível europeu e global.
Mas, ainda assim, quando certos guardas se aproximam dos presos de certa maneira, o que vem a seguir é perfeitamente previsível pelos presos mais experientes. Porque não o é também pelos guardas alheios à violência gratuita e proibida?
Sabendo que a generalidade dos guardas não actua dessa maneira – como o relato deste caso parece confirmar – porque é que os guardas que actuam violentamente, chegando a incomodar durante meses toda uma prisão (como terá ocorrido no Linhó uns meses atrás, segundo os nossos ofícios, antes da fonte dos litígios ter sido finalmente afastada), porque terão prioridade na sua actuação relativamente aos outros?

Será que a Guarda Prisional também tem a ideia de que os direitos humanos são uma tanga? Ou estará refém dos mais violentos de entre eles? Como e porquê? Para quê?

Quem observa de fora poderá pensar que uma das formas de “gerir” as tensões produzidas pela vida cerceada de iniciativa e movimentos – vulgo liberdade – será o uso da violência necessária para repor a ordem. Para alguns isso pode e deve ser utilizado como um reforço do castigo do isolamento social e de estigmatização, considerado por esses muito suave. Mesmo quem está preso pode pensar – há quem pense assim – que assiste ao guarda (como ao polícia em geral) o direito de bater, porque essa é uma prática banalizada em certas vidas sem eira nem beira, algumas delas vividas na prisão. Como dizia Salazar, umas chapadas a tempo têm um poder preventivo...

O lado negro desta história é que não há almoços grátis, como agora se diz. Por um lado há quem tenha a percepção – que já lemos a respeito de outros casos em estudos documentados, como nos filmes – de os guardas mais violentos serem promovidos com mais facilidade do que os outros. Mas, mais grave que isso, será a fragilização da autoridade profissional de um guarda violento. Seja como for, ele estará sempre numa mira potencial de alguma reclamação de direito. Alguém pode queixar-se e apontar o dedo na sua direcção. Ou mesmo sem apontar, quem no estabelecimento minimamente informado deixa de saber quem seja o autor das violências, “quando são precisas”? Isto é, o guarda violento pode ser que actue por conta própria, quando entende que a indisciplina passou das marcas e deve aplicar o castigo ilegal. Mas como poderá negar-se a cumprir tarefas encomendadas, quando alguém com alguma influência lhe diga convincentemente que na altura e relativamente a certa pessoas “estão a ser precisas?”.

No Linhó, ontem de manhã ocorreu uma situação de alguma tensão entre um preso muito jovem isolado da sociedade e um guarda, que em vez de acalmar a situação usou a força por instinto, segundo reza o relato que recebemos. A presença de vários guardas que acudiram ao local, primeiro para acalmar e depois para castigar, redundou no fim em tortura do jovem, encoberta por um castigo de isolamento. As marcas estão na cara mas nenhuma fotografia fixou a sua imagem desfigurada, como a lei impõe à administração nesses casos.
Infelizmente, os ofícios da ACED sobre o assunto não puderam evitar aquilo que os companheiros de Isaurindo previram ir acontecer. E aconteceu.

Cabe às autoridades responder à pergunta: os direitos humanos são uma tanga?

terça-feira, 18 de janeiro de 2011

Bens essenciais em falta na Carregueira

A alimentação mantém-se insuficiente e sem qualidade. Por exemplo, uma jardineira sem carne nem chouriço, ou comida semi-crua servida nas alas no próprio dia da visita de uma inspecção externa à cozinha de representantes da Provedoria.
Às reclamações há guardas que respondem que “se comam uns aos outros”, numa referência homofóbica ao imaginário construído na ignorância do que sejam abusos sexuais de crianças, crime porque estão condenados muitos dos presos naquela cadeia.

Falta roupa a ponto de haver presos permanentemente vestidos com pijama.
“Não se aguenta mais” disse o queixoso à ACED, na esperança de que a denúncia tenha efeitos práticos na vida daquela prisão. A cadeia de efeitos que possa gerar, porém, não depende de nós. Dependerá do encaminhamento que as autoridades competentes queiram dar ao assunto.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Risco de acidente no Linhó confirmou-se

Isaurindo Gil foi espancado e metido em ala de segurança, fechado 23 horas por dia.

Isaurindo Gil é um jovem de 20 anos preso no Linhó, ala B, nº380. Os companheiros temem pela sua sorte, pois têm memória de caso equivalente em que o preso acabou por aparecer enforcado.

Conforme previam, a provocação que exaltou o preso a responder foi para ter as consequências previsíveis: sessão de pancadaria e castigo, transformando a vítima de um estalo de um guarda num agressor suicida de uma chusma de guardas que entretanto se juntaram à sua volta. Tais descrições são conhecidas de outros lugares e de outras ocasiões e não primam pela imaginação. Primam, isso sim, pela impunidade, pelos julgamentos de dois pesos e duas medidas. A face imaculada dos representantes da autoridade é lavada com escaladas de violência, necessariamente favoráveis aos mais fortes.
Eis mais uma oportunidade para o Estado português mostrar que é favorável ao respeito dos direitos dos reclusos, averiguando a situação e prevenindo que tácticas destas sejam banalizadas.

Porque razão aos elementos trauliteiros da guarda será autorizada a provocação, quando um incidente já está aparentemente sanado? Neste caso concreto, há duas razões racionais eventualmente úteis (para quem?) na base da provocação ocorrida: a) evitar centrar as atenções dos presos e de Isaurindo em especial na violência usada por destempero pelo primeiro guarda agressor; b) evitar discutir serenamente a alegação de Isaurindo sobre a faca plantada à janela da sua cela durante essa noite, para o prejudicar disciplinarmente.

Nem os queixosos nem a ACED sabem responder cabalmente a estas perguntas. Nem nos cabe tal função. O que é claro, porém, é que não é justo nem legítimo admitir como prática corrente nas prisões, de cada vez que haja um incidente, que ao eventual infractor seja aberta por sistema a oportunidade de armar confusão para transformar a vítima em agressor e vice-versa. Como também é claro que a impunidade de actos de provocação com origem em elementos da guarda torna indiscernível para os guardas e para os presos o que seja “umas chapadas a tempo”, uma vingança, uma condenação extrajudicial à morte. E torna as causas e os efeitos indiscerníveis também entre si. O que explica, de resto, a auto-alegada dificuldades especial ou mesmo incapacidade das autoridades inspectivas e criminais de esclarecerem os crimes cometidos nas prisões.

Simplesmente os procedimentos admitidos não podem ser estes, se se quiser respeitar os compromissos internacionais de prevenção da tortura a que o Estado português está obrigado, de livre vontade.

Os queixosos temem pelo desenrolar dos acontecimentos. Sabem ser hábito, em cima do espancamento a administração de químicos com resultados devastadores na saúde dos detidos. Pedem, por isso, para que a ACED reclame por eles, na esperança de evitar a Isaurindo o sofrimento de muitos outros conhecidos de todos. Temem que “desgracem a vida” ao rapaz.

Na esperança que quem de direito possa proteger o preso, aqui deixamos o que nos pediram para transmitir, ao que acrescentámos argumentos de modo a avivar as responsabilidades de quem possa intervir directamente no caso.

Risco de acidente no Linhó

Isaurindo Gil é um jovem de 20 anos preso no Linhó, ala B, nº380. Por ser algarvio tem raras visitas, pelo que está particularmente isolado. Os companheiros temem pela sua sorte, pois têm memória de caso equivalente em que o preso acabou por aparecer enforcado.

Neste caso, ontem pela meia-noite, houve uma rusga à sua cela. Os guardas terão detectado uma faca no parapeito da janela. O jovem queixou-se de que a faca terá sido “plantada” do lado de fora para qualquer efeito, pois não era sua nem a tinha consigo.

De manhã, com a irritação, falou alto para um guarda. Franzino, não resistiu a cair ao chão com a chapada com que o guarda reagiu à falta de polimento do jovem. Aparentemente arrependido do que fizera, o guarda que tinha perdido a cabeça, amparado pelos guardas que entretanto apareceram para acalmar os ânimos, desapareceu de cena.
O problema foi quando chegou um guarda que, em vez de acalmar decidiu inflamar a questão e provocar o rapaz que reagiu e tornou-se assim alvo fácil.

Foi levado para o mesmo lugar de onde anteriormente houve quem saísse de lá morto. Preocupados os reclusos que comunicaram com a ACED pedem que se evite o mesmo desfecho desta vez. Como sempre transmitimos essa responsabilidade a quem de direito.