quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Pedido de ajuda contra arbitrariedades em Monsanto

Bruno Miguel Mesquita Pessoa tem 22 anos e está preso da prisão de Monsanto com o nº 84. Escreveu uma carta pedindo divulgação das situações que ali se passam, notando que com aquela idade não tem cumprida a escolaridade obrigatória e que na prisão não tem acesso à escola, que seria uma forma de aproveitar o tempo de detenção para alguma coisa de útil, sobretudo sabendo-se como a escolaridade tem efeitos positivos nas oportunidades de reinserção social.
Aqui citamos sinteticamente os casos referidos nessa carta, conforme é desejo do preso. Acrescentamos alguns comentários que pensamos serem úteis à avaliação geral da situação do EP de Monsanto, à luz de outras informações de que temos dado informação anteriormente.

Queixa-se de que no estabelecimento nenhuma entidade é útil para cumprir o papel que espera da ACED, nomeadamente ouvir o que haja que ser dito. Ignorar a existência dos reclusos é a regra. Poucos dias depois de entrar (entrou a 18 de Junho de 2011) foi colocado em cela disciplinar por 21 dias. Foi informado que poderia recorrer da decisão nos primeiros 5 dias a seguir a ser informado da decisão. No dia seguinte procedeu ao recurso com o objectivo de impugnar o castigo. Já depois de ter cumprido o castigo, recebeu na sua cela uma resposta do Juiz de execução de penas informando-o que a sua petição tinha chegado fora de prazo às suas mãos.


Surpreendido por esta resposta procurou indagar o que se passara junto da jurista que lhe disse “não sei dessas coisas”. Pelos indícios, há suspeita de obstaculização da justiça a averiguar. Um segundo caso relatado é este: foi informado pela jurista que havia contra si uma acusação de ter sido encontrado um “elevador” (um meio de comunicação entre celas) cuja posse lhe era atribuída a ele. Quando ocorreu a confiscação o preso terá proferido impropérios contra a guarda. Surpreendentemente quando teve acesso ao documento de apuramento dos factos que sustentaram a decisão do Director as referências ao “elevador” tinham desaparecido e ficaram apenas as referências às ofensas verbais. O que ocorreu é que não havia elevador nenhum e tudo foi inventado para promover um castigo capaz de justificar uma estadia prolongada do recluso em Monsanto (a “alta segurança” tem de ser justificada de algum modo e como, de facto, tem escassa – se alguma – justificação prática, toca de inventar problemas e processos que mantenham na cadeia os “clientes”. As palavras ofensivas e os impropérios são, claro, fáceis de mobilizar para os fins em vista sem o perigo de contraditório, precisamente porque assentam na discriminação das partes com uma frequência bem conhecida dos tribunais, por maioria de razão das prisões).Diz Bruno Pessoa que observa o facto de a informação dos castigos tem dia mais propício – a quinta-feira – para que os cinco dias de prazo para fazer a reclamação sejam em parte ocupados pelo fim-de-semana. O recluso perguntou à jurista se os sábados e os domingos também contam como dias de prazo. Resposta: “Eu é que sei. Eu é que estipulo dos dias. Eu é que sou a jurista”. “Que dizer de tais entidades que tomam estas atitudes e piores?”, pergunta o recluso. Que responda quem puder.


Terceira situação. Uma altercação verbal entre reclusos na aula de inglês (de que o recluso se penaliza de ter estado envolvido) motivou uma intervenção da guarda que o remeteu para a sua cela. Mais tarde foi levado algemado à presença do director, que o recebeu no meio de um corredor apoiado em nove guardas ameaçadores: perguntou-lhe quem pensava que era. Bruno Pessoa em bons modos informou que gostaria de ter aquela conversa num ambiente mais apropriado. Ouviu: “Tu aqui não és ninguém para pedir seja o que for. Tu és um animal e portanto vais ser tratado como tal. Vais para o isolamento e se fores homem fazes greve de fome para morreres mais cedo e não me chateares a cabeça” (são curiosas as coincidências de discurso entre queixas diversas que nos chegam de várias cadeias. Será que são situações estudadas em workshops para especialistas?).


A violentação psicológica dos presos, escreve o preso, é feita através da manifestação do desprezo, nomeadamente não respondendo com muita frequência aos pedidos que são endereçados à Direcção. (novamente há casos de outras cadeias já muito denunciados mas que teimam em manter-se, como se isso fosse uma regra de procedimento instituída superiormente).Outro caso relatado refere-se ao placar para pendurar fotografias. No novo regulamento há uma norma que organiza o uso das paredes para fotografias pessoais. Determina que isso seja feito num placar. O problema é que não há placar nenhum para ninguém. Aos pedidos de placar respondem dizendo que nele só caberão 4 fotografias (o que não está escrito em lado nenhum, mas serve como resposta para a falta de placar). No mesmo sentido, o artº 198 prevê a posse de rádio, leitor de música e de filmes. Ao pedido do recluso para autorizar a entrada desses equipamentos o director dessa vez respondeu, para informar que seria ele que autorizaria ou não a sua disponibilização caso a caso, aparentemente sem responder em concreto à situação solicitada. Pergunta o preso se essa é a interpretação da lei. Mas informa também que naquela prisão a lei é a do mais forte.


Por fim Bruno Pessoa pergunta: ao que se deve a sua brusca transferência do Linhó para Monsanto? Porque o escolheram a ele? Porque está em “alta segurança”? Veio directamente do Regime Aberto do Interior do Linhó para ali, sem que ninguém se tenha dignado dar-lhe uma explicação do sucedido, provavelmente por não haver nenhuma outra explicação que não seja a necessidade de dar vida (ou será morte?) a um símbolo da repressão arbitrária nas prisões (e na sociedade), como a ACED tem denunciado desde que o EP abriu.A carta acaba com uma explicação geral do sentido das queixas: o jovem de 22 anos pede ajuda para que a sua vida não seja desperdiçada nestas guerras perversas em que está metido. Foi preso aos 18 anos. Tem ainda algum tempo de cumprimento de pena. Vê-se afastado de um ambiente ressocializador (ao contrário do que está previsto nas finalidades de pena na legislação portuguesa) por mera perversidade, como se as instituições se quisessem mostrar mais imprevisíveis que o próprio recluso, numa espiral que ele antevê sem fim, como efectivamente acontece demasiadas vezes.

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