terça-feira, 20 de setembro de 2011

Uma vilania em 5 actos…

Costelas partidas tratadas com comprimidos para a dor de cabeça na Carregueira


Os textos que agora publicamos são transcrições de ofícios remetidos pela ACED às autoridades. Pelo seu conteúdo poderá aferir-se da verdadeira natureza dos responsáveis penitenciários em Portugal, e compreender a razão do insucesso da reinserção social, bem como os elevados índices de reincidência

17 de Setembro

O recluso Luís Manuel Seixas Inocêncio, preso na Carregueira, faz dois dias, caiu na cela e partiu (assim julga) as costelas. Não consegue dormir e tem dores. Sente altos na pele que lhe parecem ser provocados por ossos partidos. Está sem acesso a assistência médica e a meios de diagnóstico adequados, apesar de os ter pedido. Os serviços deram-lhe paracetamol, que é o medicamento usado para as dores de cabeça.

19 de Setembro

O recluso Luís Manuel Seixas Inocêncio, preso na Carregueira, faz quatro dias, continua com dores e sem conseguir dormir. Urina sangue e não consegue deslocar-se sem ser com ajuda de companheiros a apoiarem-no. Continua sem nenhuma atenção de saúde.

19 de Setembro (2)

O recluso Luís Manuel Seixas Inocêncio, preso na Carregueira, foi ao Hospital Prisional para uma consulta de oftalmologia pedida semanas antes. Durante a visita ao hospital pediu ao guarda que o acompanhou para ser atendido por causa das dores no peito e da urina vermelha. Mas foi informado não ser possível. Voltou à cadeia e foi chamado por um graduado que lhe perguntou se tem usado o ginásio. Espantado o recluso perguntou-lhe se não sabia que estava na cela deitado com dores. Ao que o guarda respondeu que era para dar uma resposta à Provedoria de Justiça que tinha mandado perguntar isso mesmo.

Ao chegar à cela percebeu que a cela tinha sido aberta e revistada na sua ausência. Reclamou junto do chefe de ala, que não se mostrou surpreendido nem empenhado em tratar dessa irregularidade.

Compreendendo que se tratam de manobras de diversão para procurar respostas para a denúncia, o preso sentiu necessidade de informar a ACED que o crime pelo qual está condenado envolve vítimas guardas prisionais e que, por isso, sabe que não terá vida facilitada. Mas ainda assim não estava à espera de a vingança ser uma orientação geral que faz cumplicidades em tanta gente, como aquela que parece envolvida ou indiferente na manutenção do seu estado de sofrimento.

Continua, portanto, à espera de alguma atenção médica ao seu estado de saúde traumático.

20 de Setembro

O recluso Luís Manuel Seixas Inocêncio, preso na Carregueira, desde sexta-feira de manhã que pediu serviços de saúde para tratar de aquilo que julga ser costelas partidas. A caminho do quinto dia, após ter enviado para o exterior dos serviços prisionais, nomeadamente entidades inspectivas dos serviços prisionais (que entretanto abriram processos sobre o caso), as suas queixas de dores continuam sem acesso a cuidados de saúde. Apesar de ter estado ontem, segunda-feira, no Hospital e hoje ter assistido durante toda a manhã a chamada de companheiros seus à enfermaria (onde imagina possa estar um médico de serviço). Na aflição da situação, como explicar o que se está a (não) passar?

Trata-se, segundo o próprio, de algo que poderia esperar. Esta é a sua segunda passagem pela cadeia. Da primeira vez entrou em luta com outros presos. Para o castigarem, alguns guardas terão organizado um espancamento. Luís Inocência reagiu e feriu um dos atacantes, fazendo-lhe uma marca permanente. Depois de ter saído da cadeia ocorreu o julgamento do caso, para o que foi destacada uma advogada oficiosa – que, de acordo com o condenado, não se empenhou no assunto, faltando inclusivamente a vários actos processuais. No concreto, os queixosos presos acabaram por sair do processo, mas no fim acabou condenado a dois anos de cadeia por ter reagido ao espancamento dos guardas.

Ao entregar-se na cadeia sabia ao que ia. Mas não imaginou poder chegar a este ponto, disse. Ao ponto de incumprimento de responsabilidades básicas dos serviços – de cuidar da saúde dos presos –, de inconsequência prática da acção das instâncias inspectivas e de evidência descarada de uma política de fechar olhos conivente com práticas de vingança.

A sua indignação e as queixas que tem promovido, nomeadamente através da ACED, também são causa que reconhece de represálias, a juntar às outras. Isso explica o silêncio de muitas das vítimas de situações impróprias – na esperança, eventualmente lograda, de que as intenções vingativas se foquem noutro recluso qualquer e lhe permitam viver sem provocações – e explica também a actual insistência do recluso em contactar a ACED para informar sobre a evolução dos acontecimentos. É que apesar de ter cumprido 8 meses de uma pena de 2 anos, e reconhecer alguma racionalidade no raciocínio de aguentar as provocações por mais uns meses, de modo a evitar problemas maiores, entende ser necessário assumir a denúncia dos casos irregulares de modo a evidenciar a perversidade moral do funcionamento do sistema.

Por parte da ACED, estaremos à disposição dos presos que assim o entendam para comunicar publicamente aquilo que pensem dever ser divulgado.

20 de Setembro (2)

O recluso Luís Manuel Seixas Inocêncio, preso na Carregueira, pediu para vos transmitir a seguinte mensagem: os efeitos dos serviços da Provedoria no sistema prisional estão a perder a eficiência que já tiveram anteriormente. O recluso diz que essa convicção é partilhada por outros reclusos que conhece. Dá como exemplo uma entrevista que uma provedora terá feito com ele no reduto Norte de Caxias – e de que terá tido oportunidade de a ela se referir a altos funcionários da Provedoria. A senhora terá recebido as indicações do recluso sobre quais seriam as celas sem condições de habitabilidade e também a informação de que os guardas iriam resistir à sua visita daqueles espaços. Todavia, na prática, a senhora provedora não terá visitado outras celas que não a camarata modelo que os guardas lhe indicaram.

Infelizmente a ACED não pode dizer que coisas parecidas nunca aconteceram em situações do seu conhecimento. Pelo que se aproveita a oportunidade para apelar ao esforço de mobilização numa época que, sobretudo nas áreas sociais, o requer fortemente.

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