quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Interpelação da Provedoria de Justiça

R-4557/10 (A6)
V/ ref.ª 65/apd/10, 66/apd/10, 68/apd/10, 70/apd/10, 75/apd/10, entre outras.


Reportando-me às comunicações de V.Ex.ª acima referenciados, devo inicialmente formular algumas observações. Assim, compreenderá V.ª Ex.ª não ser possível enquadrar correctamente a actividade desta instituição no recebimento de várias mensagens contendo factos avulso, aliás não documentados e, ao que parece, sem terem sido objecto de uma primeira apresentação junto da Administração, designadamente da Direcção do EP.
Terá V.ª Ex.ª presente que, num lapso relativamente curto, foram recebidas várias mensagens sobre diversos assuntos respeitantes ao EP do Linhó, sendo certamente possível outra abordagem, mais sistematizada, na apresentação de queixa.


Para ilustrar as dificuldades geradas, devo indicar que, após as primeiras mensagens, realizou-se uma visita ao EP do Linhó, sendo essa celeridade afinal penalizada pelo recebimento, escassos dias depois, de novas mensagens com indicação de factos e a respeito de situações que certamente já seriam conhecidos em momento anterior. Tal motivou novas diligências que teriam sido perfeitamente escusadas, com ganho para todas as partes, numa outra abordagem. Sem prejuízo de outras observações que adiante se farão, passa-se, assim, a responder aos assuntos expostos.

No que toca à distribuição de material de higiene, como se compreenderá, apenas preocupou conhecer a realidade no que toca aos reclusos com menores ou nulas posses económicas, nestes se concentrando as obrigações assistenciais, para benefício individual e colectivo. Nesse nível, não foi declarada ou detectada qualquer deficiência. Caso se conheça dado concreto que infirme esta conclusão, agradeço que o mesmo seja comunicado.

Em termos estes sim concretos, foi igualmente alegado um suposto excesso ou mesmo predomínio exclusivo de arroz na alimentação, certamente por lapso igualmente se indicando a sua disponibilização ao pequeno-almoço. Como V.ª Ex.ª saberá, desde 1996 que, na sequência de recomendação do Provedor de Justiça, existe na DGSP um pequeno núcleo de nutricionistas que controla a qualidade do sistema, em articulação com os técnicos próprios de cada empresa fornecedora deste serviço.

Foram observadas as ementas das últimas semanas e ouvidos aleatoriamente alguns reclusos sobre a alimentação, incidentalmente colocando-se a questão específica dos acompanhamentos. Nem uma nem outra diligência permitem corroborar a afirmação feita, sendo certo que reconheceu a Direcção existirem pedidos expressos no sentido de se reforçar a administração de arroz, face a outros acompanhamentos possíveis.

Ainda no que toca à alimentação, especificamente quanto às alegadas condições indignas com que a mesma seria distribuída na ala C, foram ouvidos os reclusos ali alojados e verificadas as instalações, neste último caso nem se percebendo como seria possível o invocado por V.ª Ex.ª Na verdade, no piso 0 dessa ala, os almoços são servidos na cela, por outros reclusos que auxiliam nesta função. Seria de esperar que uma conduta assim, por parte de um recluso em relação a outro, gerasse uma reacção grave cuja ocorrência não passaria desapercebida.
Já quanto aos animais que se albergam nas instalações do EP, em especial cães, javalis e galinhas, foram os locais em causa igualmente visitados.

O canil do EP, que funciona como "hotel" para cães para qualquer interessado, mediante pagamento segundo tabela disponibiliza, possui aparentes condições adequadas de higiene e boas infraestruturas, aí trabalhando três reclusos. Sendo um prestador de serviços para o exterior e pretendendo-se angariar fundos com tarefa igualmente geradora de emprego para a população prisional, outra coisa não seria de esperar.

Contudo, e aqui já se compreendendo a alegação de V.ª Ex.ª, foram igualmente detectados cerca de meia dúzia de canídeos junto à exploração pecuária. Muito embora não parecessem maltratados ou em estado de abandono, foi indagada a clarificação da sua situação, tendo a Direcção do EP promovido a identificação dos respectivos proprietários, para que os removessem do EP ou colocassem no canil, obviamente mediante o pagamento dos preços tabelados. Colheu-se a informação de que três dos cães já foram retirados pelos respectivos donos e os outros o serão até ao final do corrente mês.

Não estando certa de que esta intervenção tenha resultado em benefício dos animais em causa, pelo menos poderá V.ª Ex.ª concluir que se regularizou a situação menos clara que efectivamente se encontrou, acautelando-se eventual responsabilização do EP por facto futuro, lesivo de terceiros, que viesse a ocorrer.
Por fim, no que toca às instalações específicas pecuárias, onde se encontra a criação de javalis, cabras, bodes, patos e galinhas, nada se viu que permitisse corroborar as alegações de abandono e fome que foram produzidas.

Ainda quanto à produção pecuária, neste caso dos ovos, a informação transmitida por V.ª Ex.ª mostra-se incorrecta. Assim, como foi declarado, a produção própria destina-se, em regra, à padaria/pastelaria do EP.

Sucede que, por obras realizadas recentemente, não foi possível utilizar estes ovos, os quais, efectivamente, foram vendidos, designadamente a funcionários, conforme recibos que se examinaram e por preços adequados, tendo em conta a situação concretamente vivida.

Reportando-se agora às condições de trabalho, designadamente salariais, foram as alegações de V.ª Ex.ª observadas à luz das declarações tomadas a responsáveis do EP, corroboradas por documentos examinados.

Assim, em 2008, a Direcção do EP do Linhó autorizou a atribuição de um prémio diário, no valor de 1 EUR, aos reclusos do RAVI que alimentassem a biberão os cabritos recém-nascidos, isto enquanto o pessoal afecto ao RAVI não fosse reforçado e os animais carecessem daquele tipo de alimentação.

Mais referia a decisão em causa que competia ao subchefe responsável pelo RAVI informar a Contabilidade da cessação deste prémio, isto é, quando cessasse a situação que esteve na origem da atribuição do prémio.

Por lapso, não foi reportado aos serviços de Contabilidade a cessação deste trabalho suplementar, pelo que os reclusos a trabalhar neste continuaram a receber, posto que indevidamente, o referido suplemento.

Em Setembro p.p., o funcionário que orienta a actividade agropecuária informou que não havia, presentemente, quaisquer cabritos recém-nascidos que carecessem de apoio dos reclusos devendo suspender-se a atribuição do prémio e só o atribuindo novamente quando se justificasse. A Direcção concordou com a informação e deu conhecimento, aos reclusos afectados, em 20 de Setembro p.p, do teor desta decisão.

Face à prova documental consultada e não tendo na realidade sido observados quaisquer cabritos em idade de leite, nada há de incorrecto a assinalar que tivesse prejudicado os reclusos em causa.

Por fim, sendo certo que a pastorícia, exigindo certamente conhecimentos específicos, não é uma actividade muito diferenciada, designadamente em termos de habilitações requeridas, parte-se do princípio de que nenhum dos reclusos pastores está nesta actividade obrigado, conhecendo a sua hipotética inaptidão para essa função.

Resta acrescentar que, aqui como na generalidade das relações estabelecidas com o Estado, a opção pública tem sido a da assunção directa do risco, sem recurso à transferência do mesmo por contrato de seguro. Tal opção tem, no caso penitenciário, assento na lei, de há muito sendo conhecido de todos os intervenientes a existência de processos próprios à determinação de lesões sofridas por via da actividade laboral exercida, responsabilizando-se o Estado pelo ressarcimento dos danos em causa. Nesta medida, é claro (e legal) que não existem seguros de acidentes de trabalho, constituindo o Estado, no seu todo, o garante do ressarcimento que for devido.

Ainda em matéria laboral, foram produzidas algumas alegações sobre a redução de faxinas no regime aberto, com acumulação de mais trabalho para os sobrantes. Assim, no pavilhão A do RAI, o trabalho anteriormente feito por 22 faxinas seria agora realizado por 16, mais referindo estar encerrado outro pavilhão, existindo igualmente limitações no acesso à Escola e a acções de formação.

Devo inicialmente notar que nunca foi simpática aos olhos do Provedor de Justiça a existência de um elevado número de faxinas ou, de outro modo, a preponderância desta actividade na ocupação laboral.

Ora, cada um dos pavilhões em causa tem capacidade para 30 reclusos. Como apenas se encontravam em RAI dezanove pessoas, não se percebe a razão para a manutenção em uso de dois pavilhões, óbvios e louváveis motivos de contenção de custos indicando o alojamento num pavilhão único, este mesmo a pouco mais de metade da sua lotação. Foi todavia garantido que, caso haja um incremento de reclusos em RAI, não há qualquer constrangimento para que se proceda à abertura de outro pavilhão.

Relativamente ao ensino e formação dos reclusos em RAI também não é verdade que os mesmos estejam impossibilitados de frequentar acções de formação. A título de exemplo, refira-se o caso de um recluso que é analfabeto e que recebe no pavilhão aulas e um outro que conclui este ano a licenciatura. Caso pretendam frequentar um curso de formação que esteja a leccionar dentro de muros, o recluso não cessa o RAI mas permanece dentro da zona prisional até concluir a sua frequência, o que nada há a criticar por razões de segurança e de separação, igualmente louvável, entre o regime fechado e o regime aberto.

No que toca aos números avançados por V.ª Ex.ª, será de notar que em Janeiro de 2010 existiam 25 reclusos em RAVI (como então se designava). Destes, 19 eram faxinas, ou seja, 76%. Hoje, encontram-se realmente 16 faxinas entre 19 reclusos em RAI, ou seja, 84%. Longe de me congratular com o “aumento" da percentagem de faxinas, desde logo pela razão de fundo acima apontada, escuso-me, por V.ª Ex.ª ter preparação científica superior à minha nesse domínio, de enunciar a irrelevância estatística dos dados obtidos.

É ainda de notar que a redução do número de reclusos em RAI teve por base essencialmente a concessão de liberdade condicional ou a transferência para outros estabelecimentos prisionais. Apenas a um terço, ou seja, a dois reclusos, foi revogado o RAI.

A propósito do que vem alegado quanto às relações laborais ao serviço de empresa de mármores, foram verificados os termos contratuais, estabelecidos entre a mesma e o EP. Verifica-se a existência de parte fixa e parte variável (prémios), tendo os montantes previstos sido pagos aos reclusos trabalhadores em causa.
É de notar que a laboração é efectuada em instalações do EP, dotada dos meios próprios, sendo por tal devida uma renda, igualmente prevista no citado contrato. Poderá ser este o fundo de "verdade" em que assenta a alegação produzida por V.ª Ex.ª.

No que toca à modificação da data de pagamento dos salários devidos pelo EP, uma vez mais reitero o que se comunicou a V.ª Ex.ª em 5 de Julho p. p. Aliás, mudança similar ocorreu, no âmbito da Função Pública, há relativamente poucos anos, sem que tal significasse perda de direitos.

A razão de ser desta mudança foi igualmente explicada, sendo precisamente a 20 de cada mês que são recebidas as verbas para os pagamentos em causa.
Foram, contudo, consultadas as tabelas de pagamentos, não se registando qualquer vício aparente nos mesmos, de igual modo negando-se a existência de queixas a este propósito.

V.ª Ex.ª apenas concretiza o caso do Senhor João Paulo Gonçalves Viegas. Ora, este saiu em liberdade condicional no pretérito dia 16 de Setembro pelo que, obviamente, não lhe tinha nessa data sido pago o salário de Agosto, o qual só estaria disponível quatro dias mais tarde, a 20. De igual modo, ficou por pagar o trabalho realizado durante o mês de Setembro.

Sendo esta situação claramente assumida pelo EP, documenta-se igualmente ter sido acordado com o próprio que, em Outubro, iria o EP realizar um contacto com o interessado, para que este facultasse o seu NIB, para depósito do montante devido. Para esse efeito, o Sr. Paulo Viegas deixou os seus contactos telefónicos.

As acusações proferidas por V.Ex.ª só terão, assim, viabilidade, se o próprio Senhor Viegas argumentasse agora ter indicado infrutiferamente o seu NIB ao EP, desta forma estando a ser violada a forma acordada para encerrar as contas entre ambos.

No mais, caso V.ª Ex.ª conheça alguma outra situação em concreto que pretenda ver esclarecida, deverá identificar qual o recluso que alegadamente terá salários em atraso e o período em questão. Será conveniente que o próprio, antes de se queixar ao Provedor de Justiça, se dirija aos serviços próprios do EP, dissipando qualquer mal-entendido que porventura exista.

Convém assinalar ainda o modo pouco adequado como foi apresentada a queixa, a 8 de Outubro, no que diz respeito à interrupção de funcionamento de água às 17h do dia precedente. Repare V.ª Ex.ª que a sua mensagem, de cerca das 10h do dia 8, não referia qualquer conhecimento sobre a realidade efectivamente vivida, designadamente se, contra tudo o que seria de esperar, ainda persistia essa ausência de água. No limite, ficava-se sem se saber se a inquietude denunciada tinha origem numa interrupção de cinco minutos ou de cinco horas.

Apesar de não estar demonstrada a necessidade de qualquer inquirição, aproveitou-se para apurar o ocorrido. Desta forma, foi esclarecido estarem a ocorrer obras na região do EP do Linhó pela empresa abastecedora, obras essas que suscitaram a necessidade de interrupção do funcionamento. Para evitar a falta de água, o EP providenciou o abastecimento dos seus tanques por corpo de Bombeiros Voluntários local. Sendo certo que foi notada uma diminuição da pressão, nunca faltou água para a cozinha e para os banhos, ficando limitada a interrupção total a um curto espaço de tempo, na verdade durante a tarde do dia 7. Não havendo razão para alarme mesmo nessa tarde, certo é que na manhã do dia 8 já seria claro a inexistência de qualquer facto notável que merecesse averiguação.

Por último, reporto-me a duas situações concretas. Quanto à situação narrada na comunicação 65/apd/10, é de presumir que V.ª Ex.ª não tenha tido conhecimento de quaisquer factos directamente do interessado já que este, ouvido em declarações, narrou uma versão muito diferente do ocorrido, não se encontrando qualquer arrimo para o que afirma.

Do mesmo modo, no que diz respeito à situação relatada na vossa referência 68/apd/10, o próprio interessado negou veementemente qualquer realidade nos factos avançados por V.ª Ex.ª, pelo menos na interpretação dada. Uma vez mais, presumo que a fonte de V.ª Ex.ª não seja o próprio interessado. Ora, sendo reconhecido pelo mesmo que não permaneceu na sala até ao fim da hora da visita (facto objectivo) mas declarando expressamente que o fez por sua vontade (circunstância subjectiva), não tendo apresentado qualquer queixa a ninguém a este propósito, há margem para considerar ter existido erro na apreciação da situação pelo observador em causa. De futuro, será adequado que esse observador narre os factos presenciados, com detalhe (por exemplo, teria o interessado protestado? A suposta intervenção do guarda foi feita em que tom?), de modo a superar-se qualquer subjectividade. No que toca às supostas razões para a conduta denunciada (falta de faxinas), já acima se respondeu.

Feitas estas observações e igualmente à luz das considerações que se teve ocasião de expender pessoalmente, compreenderá V.ª Ex.ª que, de futuro, seja reforçada a exigência de fundamentação às alegações que são produzidas, pedindo especialmente que haja um esforço na estruturação das mesmas.

Igualmente deverá ser incentivado, em especial se a situação em causa for específica do próprio, o exercício do direito de queixa junto da Direcção do EP, não fazendo intervir o Provedor de Justiça, com desgaste inútil de meios, em situações que rapidamente poderão ser esclarecidas, como, por exemplo, é o caso evidente do prémio diário de EUR 1 acima mencionado.

Apresento a V.ª Ex.ª os melhores cumprimentos,

Helena Vera-Cruz Pinto
Provedora-Adjunta de Justiça

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