quarta-feira, 3 de novembro de 2010

Reacção à interpelação da Provedoria de Justiça

Ex.ma. Senhora
Provedora-Adjunta Dr.ª Helena Vera-Cruz Pinto
C/c Associados da ACED

Lisboa, 02-11-2010
N.Refª n.º 114/apd/10V.Refª R-4557/10 (A6)


Assunto: reacção à interpelação da Provedoria de Justiça


Extraordinariamente tivemos condições para partilhar com os queixosos a discussão da resposta, que agora enviamos, ao vosso ofício citado acima, aproveitando a oportunidade da saída precária de um preso do Linhó. Isso enriquece a qualidade da troca de informações.

Registámos e compreendemos o problema da sucessão de queixas referentes ao mesmo assunto ou a assuntos correlativos. Isso mereceu alguma atenção da nossa parte. Decidiu-se passar a ter a atenção de verificar por cada ofício remetido se há outro ou outros sobre o mesmo assunto. Se for o caso, no ofício deverá ser isso mesmo referido no lugar onde as referências aos documentos se mostram. Por uma questão de facilidade nossa faremos referência apenas aos nossos ofícios.

Esperamos que esta inovação possa ajudar em casos como aqueles de que, justamente, os vossos serviços se queixaram. É nosso desejo, na medida das nossas possibilidades, contribuir para o melhor funcionamento possível dos serviços.
Transmitimos a desconforto mencionado pelos detidos – e que bem compreendemos – de o texto referido, por vós subscrito, partir de um princípio de desconfiança quanto às queixas dos presos, em contraste com um acolhimento, por vezes ingénuo, das explicações oficiosas ou oficiais.

Há vários exemplos disso. Mas o mais chocante é o que se refere ao tratamento médico de Hélder Costa num hospital público. O facto é que foi sentido o contraste na falta de menção da negligência de anos no tratamento do seu pulso e o enaltecimento divinal da sapiência médica de quem o atendeu num hospital público, independentemente de tal atendimento ser – tal como foi descrito e não foi negado – uma provocação indigna de qualquer trabalhador da saúde. Outro, notado mais pelo despropósito, foi a forma de tratar a denúncia sobre o mau trato de animais. Sim, não deviam lá estar. Não, se lá pudessem ter continuado clandestinamente iriam receber cuidados que não sabe a Provedoria se irão receber depois de saírem da cadeia. No fim, a culpa dos previstos maus tratos futuros, a existirem, seria dos queixosos. Enfim…

Os queixosos verificam que a Provedoria não valoriza o impacto positivo das suas intervenções na cadeia. Pois aquando das suas visitas, mesmo quando entendem não reportar nada de irregular, na verdade, muitas das vezes, os objectos de queixa são ultrapassados pelas autoridades prisionais – com ou sem a participação directa dos agentes da Provedoria. Por isso chamam a atenção para esse facto. Mesmo que seja o caso de as evidências à vossa vista não serem suficientes para confirmar a existência de razões de queixa, na verdade só estar presente e perguntar já tem efeitos sensíveis para os queixosos, ainda que possam não o ser para os inspectores. Por exemplo: embora o caso do arroz possa parecer irrelevante para quem não come na prisão, ou para quem prefere comer só arroz, para a generalidade dos presos sentiu-se imediatamente a diferença nas refeições assim a inspecção pediu explicações sobre o que se estaria a passar. Sem interferência nem do dietista nem da DGSP, imagina-se.

Passemos agora a tratar de actualizar alguma informação sobre os casos referenciados na vossa missiva, de acordo com o conhecimento dos queixosos.
Em RAI jamais houve explicações para analfabetos.

No RAI há apenas 2 faxinas, e sentem serem manifestamente poucos para o trabalho a desenvolver. Isso pode não ter ficado claro na transmissão de informação feita pela ACED.

As queixas não são dirigidas à Direcção da cadeia previamente precisamente porque a própria Direcção manifestamente prefere não as conhecer, como foi expressamente denunciado em ofício da ACED a pedido dos queixosos. Ai está uma consequência das inspecções que não resultou em grandes mudanças. O facto de ter passado a haver uma urna para depositar queixas de quem entenda querer fazê-lo não ultrapassa a desconfiança generalizada dos presos (ou pelo menos dos queixosos que preferem usar a ACED para fazerem as queixas). Aliás coisa equivalente aconteceu com as salas de chuto encomendadas pela Assembleia da República e que ficaram desertas por desconfiança dos potenciais utentes.

Com os melhores cumprimentos,
A Direcção
Associação Contra a Exclusão pelo Desenvolvimento

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