sábado, 16 de outubro de 2010

Tortura organizada em forma de falso motim em Pinheiro da Cruz

“Nunca se viu nada assim mesmo antes do 25 de Abril de 1974” – afirmou um preso que se recorda de cenas de violência na cadeia em 1958. Preso que está disposto (e interessado) em testemunhar junto das autoridades sobre o que sabe existir de corrupção na cadeia de Pinheiro da Cruz. Todos os presos foram obrigados a ajoelhar perante os agentes do Grupo de Intervenção dos SP, sob pena de pancadaria, sob a orientação da chefia do grupo, homem de nome Messias, que assistia.

A corrupção em Pinheiro da Cruz tem muita tradição. Quem não se recorda do suicídio do contabilista da prisão em frente à porta de casa do Director, alguns anos atrás? Na prisão lembram-se disso, como mostra por um lado da profundidade da corrupção naquela prisão e também na sua impunidade. Na guerra aberta com a chegada da actual directora, como referido no último ofício sobre este assunto, grande parte das actividades dos presos foram encerradas ou desactivadas (talvez por em torno de cada uma se suspeitar haver alguma coisa, quem sabe?) o que leva os presos a terem sentimentos ambíguos perante a actividade da actual direcção: por um lado entendem bem a luta contra a corrupção; mas, por outro, questionam-se porque são eles quem têm de sofrer os embates e as consequências de tais lutas.

O certo é que a directora, actualmente, recebe a protecção de elementos do GISP contra (de que outra maneira pode ser isto dito) os guardas locais. Parece então haver uma competição a ver quem (a directora e o “seu” GISP ou os guardas) tratam (e podem tratar) pior os presos. Se o ambiente se vinha degradando, como já tínhamos dado notícia, a demonstração de força de dia 12 nunca havia sido vista. Contra a corrupção? Por certo foi a favor da tortura!

António Paulino Rocha Silva, preso na Ala 3 com o nº 446, embora temendo as represálias – de facto mais que certas, como qualquer preso sabe que assim é – manifestou-se disponível para dar o seu caso pessoal como exemplo do modus faciendi utilizado, admitindo que houve um standard cumprido.

[Um breve parêntesis para referir como da cerca de uma centena de presos massacrados neste episódio - independentemente dos que não podem falar por razões objectivas das consequências dos ferimentos recebidos - quantos deram o nome para testemunhar? Vem isto a propósito dos que argumentam, com uma ligeireza cúmplice, que quando ninguém se queixa isso só pode significar que não houve tortura ou maus tratos: infelizmente, ninguém se queixa porque as ameaças de tortura e maus tratos são demasiado credíveis e reais. E o respeito e valorização daqueles que dão um passo em frente nestas ocasiões, com risco de vida efectivo, não é assumido socialmente]

António Paulino – talvez o guarda Matos o possa confirmar – procurou proteger o guarda das agressões dos presos inquietos que andaram em provocações e que serviram de rastilho ao que se passou a seguir. Não se sabe se o seu nome estava ou não na lista de que se fala ter sido entregue pela guarda local aos homens do GISP. O certo é que sem qualquer razão ou aviso – as ordens de fecho nas celas foram acatadas sem resistência – muitos guardas entraram na cela e obrigaram-no a ajoelhar-se. Eram 15.45 horas. Sentiu ao mesmo tempo 7 choques eléctricos de taser e de bastão, partiram tudo o que encontravam, pisaram-lhe os pés, rasgaram uma foto do pai, arrancaram cabelos (estilo rasta), atiraram-lhe a cabeça contra a parede, estragaram-lhe a playstation, levaram-lhe ouro (não se pode dizer que roubaram). Gritavam alto e muito, como quem odeia por uma boa razão: “preto do caralho!”; “vamos arrancar-te a cabeça”; “porque é que nasceste?”.

Tão breve descrição não faz jus ao terror vivido nem explica todos os hematomas e ossos partidos que podem ser observados, caso haja interesse e poder para realizar tal investigação.

Tais factos reclamam acção firme do Estado, onde o Direito tenha algum valor. A ACED espera para ver.

Na Ala 1 foram instaladas câmaras de filmar. Pode acontecer que estejam estragadas, não tenham filme, terem sofrido falta de corrente eléctrica e muitas outras dificuldades. No caso de terem registado alguma actividade, pode ser que as imagens sejam úteis para indagar o que se passou. Caso não existam imagens só podemos imaginar o pior.

O pior é o caso de Miguel, a quem faltavam 10 dias para sair em liberdade e está neste momento, ao que se sabe, acabado de sair do coma no Hospital de Caxias, sem uma vista e em estado que se verá mais adiante. Outros, em número não determinado e em condições desconhecidas, foram transferidos para diversas cadeias.

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