sábado, 16 de outubro de 2010

Dieta básica no Linhó

Os reclusos foram confrontados com uma redução das doses normais de manteiga, açúcar e pão, que anteriormente era de 3 unidades de cada um deste elementos e que passou a ser de duas unidades. Também os presos em Portugal, pelos vistos, estavam a viver acima das suas possibilidades.

Ironias à parte, o que ocorre é que as dietas nas prisões, alegadamente, estão reguladas a partir de critérios dietéticos definidos superiormente pela direcção geral. Então, das duas uma, ou os técnicos de dietética da direcção geral descobriram recentemente terem estado a esbanjar alimentação e recursos – e rectificaram a situação em todas as cadeias – ou apenas no Linhó esse esbanjamento foi considerado estar a existir. Em qualquer dos casos, a ACED pede as explicações que se imponham.


Está em causa o valor que os serviços prisionais e o Estado atribuem à ciência da dietética e à saúde dos reclusos.

Pinheiro da Cruz a "ferro e fogo"

“Motim” contado por quem o viveu

É escandalosa a informação alegadamente veiculada pela Direcção Geral dos Serviços Prisionais (DGSP) sobre a ausência de feridos em Pinheiro da Cruz, em consequência do que lá se passou no dia 12 de Outubro. Seja o que for que se tenha passado, os feridos são muitos e só, por um lado, a vergonha de aceitar o que se tenha passado (o que em si não é um mal) e, por outro, a esperança de poder esconder do Estado e do público seja o que for, até mesmo um acontecimento daquela magnitude e com aquele impacto, só a conjugação de ambos os factores podem explicar tão desastrada resposta à comunicação social.

O próximo futuro revelar-nos-á o que a reforma do sistema em curso – e que se anunciou em 2004 ser para continuar pelo menos até 2016 – veio trazer de novidades relativamente à possibilidade de os agentes prisionais poderem continuar impunes e irresponsáveis face a graves atentados aos direitos humanos. Caso o Ministério da Justiça não tenha forma de corrigir a primeira reacção da DGSP e recuperar um mínimo de credibilidade sobre o que se possa vir a dizer ou a escrever daquele lado – e, portanto, permaneça cúmplice de tão imoral comportamento – isso significará que em termos do respeito pelos direitos humanos tudo quanto se diz que se tentou e experimentou fazer até agora, incluindo nova legislação para tornar mais transparente o sistema prisional, é tudo para inglês ver, para fogo de vista, inconsequente e perverso (pois ficará clara a falta de vontade política de alterar a situação no aspecto da qualidade da informação).

À ACED chegou um relato - feito de muitos relatos - sobre o que se terá passado. É esse relato que sintetizamos de seguida.

No dia 11 e 12 dois reclusos da Ala 3 entraram em provocações contra companheiros e contra guardas. Apreciada a situação, as autoridades decidiram aplicar um castigo disciplinar condenando os dois reclusos a uma estadia no “Big Brother” (que é como localmente chamam à cela disciplinar). O chefe de guardas Fernando Pereira levou a notícia aos condenados mas não só não obteve colaboração como foi confrontado com uma contestação violenta. A chegada de outros guardas e o uso da violência contra os dois reclusos foi usada para os colocar na cela disciplinar.

Cerca de 30 a 40 reclusos organizaram uma manifestação junto do portão 3 de onde desafiaram o guarda Matos para uma pega, digamos assim – o que este não aceitou, naturalmente. Alguém virou o carro do almoço nesse dia.
Face a estes acontecimentos reveladores de uma indisciplina cujas causas não sabemos apurar, mas de que não pode ser descartado o mau ambiente gerado por arbitrariedades recorrentes de que aqui e acolá nos chegam ecos à ACED, a direcção da cadeia e a DGSP chamaram o Grupo de Intervenção e Segurança Prisional (GISP) – de que temos notícias recentes de ter abusado dos respectivos poderes para atacar um recluso com tasers… À hora de almoço entraram pelo refeitório a varrer. Face à ameaça de motim – que imaginaram poder estar a preparar-se (porque já havia tempo tinham perdido o controlo da situação, porque os serviços de segurança não fizeram o seu trabalho) – decidiu-se, tudo o indica, organizar um contra-motim, como quem organiza um contra-fogo. Não quiseram saber quem estava envolvido ou deixada de estar nos movimentos de contestação, nem quiseram saber o que contestavam exactamente. Nem a idade de 76 anos de um dos reclusos e nem os reclusos de mais de cinquenta anos escaparam à varridela. Foi tudo corrido a hematomas ou ao que viessem a ser as consequências da pancadaria desenfreada. Os guardas especiais apresentaram-se sem identificação a distribuir murros e pontapés, atirando as cabeças dos presos contra a parede.

Pelas 18.00 horas, com uma lista fornecida pelas autoridades locais, os homens do GISP dirigiram-se às celas já fechadas para distribuir nova carga de pancadaria, dentro das celas, destruindo e retirando os pertences de cada um, incluindo livros, secretárias, CD, roupa, e todos os poucos haveres que cada um foi pedindo autorização justificada para acumular na cela para seu uso.

No rescaldo fecharam o pátio central e cada ala está agora isolada dentro da prisão. Três ou quatro presos seguiram em coma para o Hospital de Caxias, um deles está actualmente ligado a uma máquina. Houve quem fosse transferido para Monsanto (o inferno dos infernos dos serviços prisionais).

Face à posição assumida publicamente pela DGSP de negar a existência de sequelas do que ocorreu em Pinheiro da Cruz, basta às autoridades que assim o entenderem verificar as entradas de doentes no hospital, a respectiva origem e estado de saúde, para se darem conta da intolerável incongruência das informações. Do lado dos presos que nos relataram os acontecimentos de que tiveram conhecimento pede-se que médicos de fora do sistema prisional – talvez do sistema nacional de saúde, com responsabilidades sobre a saúde pública – vão a Pinheiro da Cruz e identifiquem as consequências do que parece não ter ocorrido, na versão surrealista das autoridades prisionais.

A ACED insiste neste ponto: perante abusos como estes – evidentes aos olhos mesmo dos cidadãos mais desatentos – é mais importante que os responsáveis façam uso das suas responsabilidades. Como se sabe em Portugal (e não só) usa-se muito a “responsabilidade” para organizar a postura de vítima, para defesa do tacho próprio. Ele há muitas formas de entender o serviço público, naturalmente. O tempo de crise como o que atravessamos é um tempo tão bom ou melhor do que outros para torcer os costumes e dar-lhes uma moralidade sem a qual a irresponsabilidade gerará mais e mais confusão, apenas para que aqueles que possam manter-se acima dela continuem a fingir que não é nada com eles.

Em 28 de Agiosto, já tínhamos dado a conhecer a interpretação que alguns observadores da vida na cadeia de Pinheiro da Cruz faziam da crescente tensão que lá se fazia sentir. Vem a propósito do “motim” recordar e reforçar tal interpretação, no sentido de ajudar a clarificar a situação para quem esteja em condições - e interessado - em investigar com alguma profundidade.
Segundo a referida interpretação, a determinação (própria ou encomendada a partir da DGSP) de combate à corrupção reinante (digamos assim, sem especificar aquilo que pode e deve ser especificado em sede própria) da actual direcção da cadeia, desde a sua chegada causou, naturalmente, mau estar. Essa nova situação fazia-se sentir no contacto de vários guardas com os reclusos, por exemplo, quando os primeiros afirmavam aos últimos serem certos problemas causados pelas decisões da direcção da cadeia contra a qual eles não poderiam nem quereriam ser intermediários (vale a pena aqui referir serem os guardas portugueses frequentemente elogiados – como característica singular que outros colegas seus europeus não têm – por serem mobilizáveis para toda a espécie de serviços, sem necessidade de formalidades: isso torna esta história mais verosímil).

Este tipo de comportamentos de incitação à contestação sem intermediação à direcção da cadeia procuraria estabelecer alguma confusão da qual esta pudesse ser, naturalmente, responsabilizada e, eventualmente, afastada.

No centro do debate actual parece estar o uso a dar ao pátio central. A direcção da cadeia, segundo se julga saber, pretende acabar com o acesso dos presos de todas as alas ao pátio central (que é a situação actual, depois do chamado “motim” que não chegou a sê-lo). Pode estar a assistir-se neste momento à imposição de tal medida de forma definitiva, o que significaria, aos olhos de quem interpreta, uma vitória da direcção. Mas, julga, uma vitória de Pirro, já que a prisão foi desenhada para ter aquela circulação de pessoas dentro da cadeia e, caso isso seja inviabilizado, é natural que novos surtos de violência se acumulem em vez de se esvaziarem.

A bondade da luta contra a corrupção – urgente e necessária – não deve ignorar que os presos são gente e têm necessidades próprias, como a luta pela manutenção de privilégios mais ou menos legítimos não deveria ser uma forma de manipular a população prisional como carne para canhão em tal guerra. Além dos presos não deverem servir de cobaias para as guerras do GISP.
A ACED apela à responsabilidade funcional e política das agências inspectivas e dos governantes, para que não deixem passar mais este atentado aos direitos humanos nas prisões portuguesas.
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quarta-feira, 13 de outubro de 2010

“Motim” em Pinheiro da Cruz faz desaparecer recluso

A esposa de Bubacar Silé, preso em Pinheiro da Cruz com o nº 43, foi alertada para um “motim” que estará ainda a decorrer em Pinheiro da Cruz. Foi informada de que o seu marido, algemado, foi barbaramente espancado – como muitos outros – com bastões e choques eléctricos. Terá sido assistido num hospital.

Ao contrário de outros que entretanto regressaram à prisão, o marido não regressou. Constou que irá ser transferido ou já foi transferido, não se percebendo se essa informação é real ou serva para encobrir alguma outra mais desagradável.

A esposa do recluso pediu informações à cadeia, tendo conseguido chegar à fala com a educadora do seu marido. Queixa-se de ter sido atendida com sobranceria e arrogância, tendo a educadora recusado identificar-se ao telefone bem assim como dar qualquer informação.

Naturalmente a família está inquieta e deseja saber o que se passa com Silé. Não tem é forma de proceder, dado o sigilo do Estado face à situação.

Também a irmã de João Correia Gonçalves foi alertada para o” motim” que estará ainda a decorrer. E foi informada de que o seu irmão também foi barbaramente espancado. Terão inclusivamente espancado velhos. Terá sido assistido num hospital, como outros. Gonçalves terá voltado à prisão e ficado de castigo.

A ACED pede às autoridades que sejam ponderados os procedimentos em situações semelhantes com respeito pelos direitos das pessoas, tanto no interior como no exterior das cadeias, o que parece não ser o caso no relato que nos foi transmitido.

Foto: PÚBLICO

domingo, 10 de outubro de 2010

Greve de fome em Caxias

Carlos Gouveia está actualmente preso em Caxias. Faz greve de fome há 22 dias, desde que, segundo alega, foi filmada a cena preparada pelo GISP para o obrigar a limpar a cela através do uso de choques de tazer, no que aparentou ser uma experiência de que ele terá sido a cobaia.

O próprio ficou estupefacto com tal actuação que se dispensou de classificar, talvez por parecer ser demasiado óbvia e oficial a tortura.

Conforme referiu, dirigiu-se-nos para que produzíssemos queixa na esperança de conseguir ultrapassar o castelo de silêncios para onde o remeteram. Estigmatizado como recluso perigoso ou problemático, dos 11 anos de cadeia que já cumpriu, seis tem estado quase ininterruptamente em regime de segurança, a tal situação de castigo informal a critério de quem possa ter poder para tal. Passou por várias prisões, um mês aqui e outro ali, lá lhe permite viver no regime fechado normal. Mais cedo que tarde voltam a metê-lo em regime de segurança com pretextos diversos, mas falsos, embora sem razões de queixa de nenhum guarda ou funcionário que com ele lide diariamente.

A verdadeira razão será o estigma que o persegue, faz seis anos, de ser um preso indesejável. Os responsáveis sabem que ele reage ao facto de estar em regime de segurança e provocam a situação para justificar a sua saída do estabelecimento e da respectiva alçada. O périplo terá sido de Caxias para Coimbra, para Paços de Ferreira e, agora, de volta a Caxias.

Faz greve de fome contra o tratamento de tazer a que foi sujeito, que quer ver julgado. Faz greve de fome contra a perseguição e o jogo do empurra que faz dele um joguete nas mãos das bruxas, independentemente do comportamento que tenha. Preferiria trabalhar, se pudesse, mas não o deixam.

Foi contra isso que decidiu sujar a cela com os próprios excrementos, para reclamar respostas que tem pedido a várias entidades, incluindo a Procuradoria-geral da República através de advogada oficiosa, sem nenhum resultado. Queixa-se de lhe pedirem dinheiro para fazer avançar os processos de queixa contra quem o ataca assim, a que não pode corresponder por falta de meios. Por isso, julga, os processos são arquivados e a sua situação fica cada vez mais insustentável.

Foi na sequência dessa forma de protesto que o GISP decidiu actuar como descrito acima, antes da última transferência ter sido realizada para Caxias. Obrigando-o através de choques a acatar a ordem de limpar a cela.

Depois do legado de George W. Bush ficamos inseguros se a tortura incluirá comportamentos como os descritos. Mas não nos consta que o Estado português, pelo menos oficialmente, tenha adoptado os novos conceitos. O GISP, por seu lado, ou já os adoptou ou, a ser verdade a denúncia, anda a treinar para quando as novidades forem adoptadas.

A ACED reclama das autoridades uma avaliação tão séria quanto possível da situação alegada.

A prisão "modelo" da Carregueira

Falta de roupa

Os reclusos não têm roupa suficiente para fazerem desporto. São obrigados a vestir roupa suada e suja, pois a lavandaria demora muito tempo para entregar a roupa à sua guarda - e com o tempo menos quente lavar e secar roupa nas celas não é possível. Como também os familiares não estão autorizados a entregar roupa, para as visitas os presos vão com o pijama, por ser a roupa mais limpa que têm.

Transferências

Hugo Miguel da Rocha Santos, preso na Carregueira, a quem foi recusado recentemente um pedido de transferência, recebeu um documento do Tribunal de Execução de Penas onde se menciona a sua estada em Vale de Judeus – depois rasurada. Ficou a suspeita de ter havido uma decisão de transferência que poderá ter sido interrompida por qualquer factor desconhecido, que o próprio estaria interessado em conhecer.

Ocorre com Mário Rui Fernandes Pereira Varela algo semelhante que aprofunda as dúvidas sobre o que se possa estar a passar. 20 Dias atrás foi chamado para confirmar, através de assinatura, a sua transferência para uma outra cadeia, conforme era seu desejo. Quando perguntou o que estava a fazer demorar a transferência, informam-no de que o “prazo” tinha passado.

Desconhecendo o que seja “o prazo” e estranhando o sucedido, o preso pede que o informem sobre o significado de tal resposta cabalística e do estado do processo de transferência.

Terá ocorrido algo semelhante com o processo de Hugo Santos?

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

Acidente de trabalho no Linhó

Hélder Costa está preso no Linhó e trabalha como pastor em regime de RAVI. Dia 26 de Setembro de 2010 foi atingido por um bode que perseguia uma cabra com cio que os pastores estavam a agarrar. Em consequência, Hélder ficou de baixa.

Não há, para acidentes de trabalho, nenhum seguro. Não são conhecidos procedimentos de segurança para evitar os riscos da actividade, exercida sem nenhuma formação por presos a quem se obriga a aceitar aquele trabalho sem condições, sob pena de verem revogado o regime de RAVI, isto é, voltarem para o “interior”, o regime fechado. Nenhum aviso ou orientação são oferecidos aos presos sobre como lidar com os animais.
Na esperança de contribuir para evitar acidentes futuros, agradecendo a generosidade de Hélder Costa que arrisca granjear a má vontade das autoridades prisionais – que não lhe escondem sentirem-se incomodadas por estar a utilizar a ACED como forma de veicular as suas contribuições para um serviço prisional mais eficaz – deixamos aqui a sugestão de revisão do quadro de segurança contra acidentes de trabalho dos pastores do Linhó.

Explicação de decisões judiciais em sede de Tribunal de Execução de Penas

Desde 2007, quando entrou a nova legislação em vigor, sete presos em situação de Regime Aberto Virado para o Interior (RAVI) a poucos meses de cumprirem 2/3 da pena (entre 4 e 6 meses) viram-lhes ser negada a liberdade condicional por decisão subscrita pelo juiz Boavida, titular do Tribunal de Penas adstrito à prisão de Linhó.

Pela leitura das decisões judiciais não se percebe o que as sustenta. Visto que reflectem o bom comportamento e a vontade de trabalhar necessários para se estar em RAVI e depois, aparentemente em contra senso, sem outras explicações, como se fosse uma decisão arbitrária e desconsiderando a pessoa presa, a decisão nega a liberdade condicional num tempo de cumprimento de pena bastante distante dos mínimos exigidos por lei. Isto é, tudo se passa como se os termos da nova lei, que apresenta a liberdade condicional como uma forma de cumprimento de pena plausível de ser aplicada mais cedo do que na lei anterior, não tivessem nenhum impacto no juízo do tribunal, comparativamente às práticas anteriores. Com a agravante – no sentido de tornar ainda menos compreensível a situação para os presos em RAVI – de, ao mesmo tempo, haver concessões de liberdade para presos do regime fechado, em condições de pena semelhantes aos que vêm negada a liberdade condicional.

Naturalmente que uma melhor avaliação da situação exigiria um estudo das decisões do tribunal que não fizemos. Limitamo-nos a transmitir as dúvidas que alguns presos nos fizeram chegar, ansiosos por verem um fim à sua estadia na prisão, naturalmente. Mas sentindo-se sobretudo no direito de exigir do tribunal e do sistema de justiça em geral critérios compreensíveis e equitativos de decisão, ainda que ponderados caso a caso. O que reclama a expressão formalizada da apreciação de cada situação julgada sob forma escrita e pública nos acórdãos, o que não ocorre.