domingo, 3 de abril de 2011

Contra informação

O senhor secretário de Estado, Dr. José Magalhães, em audiência parlamentar da Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias no dia 30 de Março de 2011 avisou, a propósito do uso do termo motim, da circulação de contra informação sobre o que se passa nas prisões, dando o exemplo do caso dos acontecimentos da semana anterior na cadeia do Linhó.

A ACED presume que o senhor secretário de Estado se tenha querido referir, sem o dizer expressamente, ao trabalho da nossa associação, que despachou nessa semana 8 ofícios com o título “presumido motim no Linhó”. Por isso nos aprestamos a esclarecer o seguinte.

a) O uso da palavra “motim” foi decisão da ACED. Nenhum dos vários presos e funcionários que informaram do que estava a ocorrer usou tal termo;

b) Nesses ofícios sempre aparece a expressão “presumido motim” com o sentido de chamar a atenção das autoridades que quiseram intervir de haver esse risco, isto é, de haver a tendência de provocar os presos – o que efectivamente nos foi relatado ter ocorrido – ou simplesmente entrar à bruta pela prisão, alegando depois ter sido necessário fazê-lo por alguma razão impossível de confirmar (o que desta vez não ocorreu);

c) Na emergência da situação, assim como acontece em muitos outros casos, a ACED não pode ter um cuidado muito grande com a informação que disponibiliza.


A ACED agradece as críticas que lhe são enviadas sobre a credibilização da informação de que é autora ou simplesmente transmissora. A insistência da ACED em continuar a disponibilizar em tempo útil a informação que lhe chega, sem tempo para grandes reflexões, assumindo os riscos inerentes, deve-se ao facto – que pode ser avaliado pelo balanço dos 14 anos da nossa actividade – de o saldo ser manifestamente positivo para o combate aos atentados (infelizmente quotidianos) aos direitos humanos das pessoas que estão nas prisões (presos e funcionários, de forma distinta em cada caso, naturalmente).

A ACED não pode saber se a sua acção neste caso concreto evitou ou não um motim. Sabemos apenas que ele não ocorreu. E julgamos ter contribuído para isso, seja pela esperança gerada junto dos presos de que a situação poderia ser combatida de fora, seja pela acção que algumas autoridades possam ter entendido fazer para impedir que a nossa profecia se realizasse, ameaçadas pelos respectivos riscos de seu próprio descrédito. Agradecemos todas as contribuições, simpáticas e antipáticas, para clarificar este ponto, que é relevante para o nosso trabalho cívico.

A ACED estranha que a sensibilidade humanista do Ministério da Justiça, quando aplicada a este caso específico, se tenha fixado, através do senhor secretário de Estado na AR, em classificar em termos conspirativos e inexactos a nossa actuação. Aliás, por ter vivido tantos anos a contradição entre os discursos e os actos dos sucessivos ministérios a respeito das prisões, esta nossa estranheza é tão só retórica. Perante a acusação de estar em marcha a organização colectiva de actos de vingança e tortura aleatórios na cadeia do Linhó organizados pela guarda ao serviço do Estado, o ministério decide invectivar a única informação pública que circulou sobre o caso? Usa a semântica para insinuar que o trabalho cívico de denúncia de crimes de agentes do Estado obedece a programas subversivos, quando é dentro do próprio Estado que a subversão é evidente e reconhecida – nomeadamente das leis e regulamentos prisionais? Usa a semântica mas fá-lo sem rigor semântico, declarando contra informação o uso da palavra quando a informação oficial inexiste, é o mutismo. Serão saudades do estalinismo e da sua peculiar forma de arte de escondidinho?

O que o ministério deveria explicar é se lhe foi possível parar os desmandos ou se teve que esperar pelo fim do alívio das pulsões agressivas dos guardas agressores ou, caso contrário, afinal, os desmandos tinham sido inventados pelas nossas fontes prisionais. Para citar uma frase política conhecida: “são os direitos humanos, estúpido!” (sem ofensa a ninguém, não vá vir para aí processo crime). O ministério não está em condições de cumprir as suas obrigações para com o povo português, como é prova suficiente a maneira como o caso em apreço do uso da arma taser em Paços de Ferreira foi tratado. O senhor ministro informou a AR, na sessão, que despachou a esclarecer que o acto em causa só poderia ser interpretado como contra a lei e contra o regulamento de utilização de armas nas prisões. Efectivamente ouvimos na comunicação social o sindicato dos guardas a informar a opinião pública do contrário – será isso a contra informação de que fala o senhor secretário de Estado? – e o senhor director-geral a dizer que só se pronunciaria depois do relatório de averiguações. Ouvimos também muitos comentadores encartados a apoiar o uso criminoso da taser (será contra informação?), o que lançou a confusão pública sobre o que sejam os regulamentos prisionais.

Ora aí está matéria relevante para esclarecer: quantos regulamentos de uso de armas existem nas prisões? Que ensinam aos guardas sobre tais regulamentos? Que aprendem de tais ensinamentos os guardas? São cumpridos rigorosamente e sempre – mesmo quando não há escândalos mediáticos – os regulamentos oficiais?

A atitude do ministério neste caso (referimo-nos ao despacho clarificador da situação concreta, nomeadamente para resolver o diferendo de posição com o director-geral) quer dizer que, caso a caso, as interpretações mais estranhas e desviadas dos textos oficiais são possíveis, no terreno, sem que haja uma reacção imediata sobre tais desmandos. Mais: que se justifica o esclarecimento ministerial – praticamente caso a caso – sobre a interpretação da lei que faz o ministro em exercício. Sujeita, portanto, ao temperamento do ministro de ocasião. Tudo coberto com secretismo que baste.

A ACED lamenta o estado a que o Estado deixou chegar a situação prisional. Como muitos portugueses lamentam, de forma mais geral, o estado a que isto chegou. Estamos certos que, cada um à sua maneira, todos estamos a fazer o que pudemos para mudar a situação. A ACED faz votos de poder continuar a trabalhar e que as denúncias que faz sejam investigadas e clarificadas, em vez de escondidas e atacadas de forma ínvia. Estaremos disponíveis para o diálogo sobre as realidades prisionais, sejam elas semânticas ou outras.


A Direcção da Associação Contra a Exclusão pelo Desenvolvimento (ACED)

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