Desde 1996 colaboro com organizações que denunciam crimes cometidos nas prisões, sobretudo contra pessoas presas. Nesse labor tive conhecimento de processos de perseguição prisional e judicial contra quem denuncie as violências que tenha testemunhado ou de que tenha sido vítima. Um membro da nossa associação foi condenado por linguagem desapropriada, depois de ter sido envolvido num processo judicial de perseguição contra o pai de um recluso assassinado numa cadeia que denunciou o caso publicamente. O conhecimento desse estado de coisas tem por efeito prático condicionar claramente a disposição dos ofendidos (sobretudo socialmente os mais fragilizados) em promoverem a denúncia das situações e, mais ainda, das testemunhas se disporem a dizer o que sabem aos processos. Temem as represálias e a impunidade manifesta com que são perpetradas. As queixas dos investigadores judiciais de ser praticamente impossível dentro das prisões fazer investigação criminal (por causa da regra do silêncio) devem-se, em grande parte, à convicção generalizada de os interesses corporativos das diferentes profissões penitenciárias, policiais e judiciais serem mais fortes do que a verdade. Ingénuos, pensa-se, são os que julgam de outro modo.
Recentemente, vá lá saber-se porquê, começaram a chover processos crime contra mim, com o fito de condenar esta minha actividade, sem todavia condenarem a actividade da associação - a ACED - no quadro da qual o trabalho é feito. a) O Sindicato do Corpo da Guarda Prisional pediu a minha condenação por apoucar a imagem dos serviços prisionais. O Ministério Público reconheceu o sindicato como legítimo representante do Estado para esse efeito e acompanhou a acusação, a que se juntou o juiz de instrução. O processo findou por desistência da acusação perante um juiz que deu mostras de querer apurar a verdade ou inverdade das opiniões tomadas como delito; b) Os senhores Gonçalo Amaral e Paulo Cristóvão, ambos ex-inspectores da Polícia Judiciária, intentaram acusações separadas de "denúncia caluniosa" contra mim e o advogado que fez a investigação, pelo facto da ACED ter divulgado um auto de declarações que reproduzia o testemunho de Leonor Cipriano, pessoa presa, vítima de tortura às mãos daquela polícia, sob as ordens daqueles senhores. Um dos processos foi arquivado pelo Ministério Público. No outro a acusação foi acompanhada pelo Ministério Público e pela juiz de instrução. Aguarda oportunidade de julgamento no tribunal de Faro; c) Noutro caso semelhante, em que a vítima foi uma mulher espanhola, dois agentes da Polícia Judiciária pediram a minha condenação assim como de um dos advogados que registou o auto de declarações da vítima, advogado esse que é também meu defensor nos outros casos. Dado que a justiça portuguesa tem o hábito de impedir a defesa em causa própria, há aqui um problema suplementar de encontrar defensor competente para organizar uma defesa em moldes próprios e adequados a um activista dos direitos humanos. Este processo está em fase de instrução.
Nestes casos, trata-se de encontrar frases cuja verdade universal possa ser questionada ou consequências potenciais para a honra dos denunciados que possam ser puníveis, desconsiderando seja a actividade cívica de luta pelo respeito pelos direitos humanos em que o trabalho a condenar se insere seja o direito aplicável neste âmbito de problemas e promovendo a inversão do ónus da prova. Não será à acusação que caberá provar o dolo da conduta - acusação essa que basta manter-se calada, citando artigos do código penal, para ser atendida - mas à defesa provar ter tomada todas as precauções imagináveis para assegurar que os resultados práticos da denúncia jamais ofenderiam os denunciados.
António Pedro Dores
(Sociólogo, Professor Universitário, Presidente da ACED)
Ver mais em: http://iscte.pt/~apad/novosite2007/medalha.html
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